(relator: Rijo Ferreira) O Tribunal da Relação de Lisboa veio considerar que «os registos clínicos, de acordo com as ‘leges artis’, devem ser precisos, completos, detalhados, específicos e congruentes, descrevendo fiel, detalhada e especificamente tudo quanto de relevante foi comunicado, observado ou realizado, permitindo vislumbrar os fundamentos e objectivos das decisões médicas que foram sendo tomadas. A generalização de uma má prática não transmuta essa má prática numa boa prática, ou, sequer, numa prática aceitável. Enquanto respeitarem aquelas características os registos clínicos gozam de uma especial força probatória. O desrespeito das ‘leges artis’ na elaboração dos registos clínicos pode, no limite, levar à inversão do ónus da prova. Do contrato de prestação de serviços médicos celebrado por entidades que se organizam enquanto estruturas empresariais não resulta apenas a obrigação de angariação de médicos que pratiquem, de acordo com a melhor prática clínica, atos médicos com os seus clientes; resultam também obrigações de criação, manutenção e desenvolvimento de uma organização e coordenação de meios tendentes à completude, eficiência e eficácia dos cuidados de saúde prestados. Pratica acto ilícito culposo o médico que prescinde de recolher diretamente os sintomas apresentados pelo paciente limitando-se antes a assumir a descrição em termos técnicos dos mesmos constantes do relatório da triagem, assim eliminando a possibilidade de se aperceber de outros ou diferentes sintomas dos que os ali referidos. E com essa atitude inicia um processo causal adequado à produção dos danos decorrentes dos extensos compromissos neurológicos que advieram de subsequente instalação de AVC. Esse processo causal foi, no entanto, interrompido pela opção do paciente de não procurar assistência médica quando horas mais tarde foi acometido de novo sintoma que evidenciava, agora de forma manifesta, a existência de compromisso neurológico. Não deixa, porém, de subsistir a responsabilidade do médico pela perda de chance da janela de oportunidade terapêutica precoce a que o seu comportamento deu azo. Atuando o médico no âmbito de um serviço de urgência de um hospital privado, ele atua como auxiliar desse estabelecimento no cumprimento de um contrato de prestação de serviços médicos que, por via da sua conduta, se mostra deficientemente cumprido. A comunhão de fim entre duas prestações ressarcitórias do mesmo dano, ainda que decorrentes de diferente tipo de responsabilidade (delitual e contratual), a proteção do lesado e o equilíbrio dos interesses dos interessados justificam a sujeição dessas prestações ao regime da solidariedade».