(Relator: Lucas Coelho) O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que «o artigo 483.º, n.º 1, do Código Civil tipifica a ilicitude do facto constitutivo de responsabilidade civil extracontratual em duas modalidades, podendo a mesma traduzir-se na violação do direito de outrem, isto é, na violação de um direito subjetivo – maxime, de um direito absoluto, tal como o direito de propriedade -, ou na violação de qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, distinção que apenas se compreende no pressuposto de que nem todo o interesse juridicamente protegido de uma pessoa constitui um «direito subjetivo». Para que se considere, no entanto, objetivamente preenchido o tipo legal e o seu autor incurso em ilícito na segunda das modalidades apontadas, não basta a violação de uma «norma de proteção» no sentido do preceito. Torna-se ademais mister atender ao «concreto escopo de proteção da norma», implicando na especialidade a verificação de três requisitos fundamentais: que o lesado pertença ao seu domínio subjetivo de aplicação, incluindo-se no círculo de pessoas que a norma abstratamente visa proteger; que tenha sido em concreto ofendido o interesse tutelado mediante a lei de proteção; que se mostre concretizado o perigo a esconjurar mercê da mesma lei. Quanto à primeira modalidade, enquanto na vigência do artigo 2361.º do Código Civil de 1867 a violação do direito subjetivo esgotava o domínio da ilicitude, o n.º1 do artigo 483.º do Código atual ampliou a antijuridicidade da conduta à violação de interesses não qualificáveis como direitos subjetivos, subsistindo em todo o caso o preceito segundo o qual a ofensa destes direitos – nomeadamente daqueles (direitos absolutos) a que subjaz um imperativo de abstenção a todos dirigido, consubstanciado na denominada «obrigação passiva universal» – é em princípio antijurídica, ressalvada a existência de causas justificativas. Deve, contudo, distinguir-se entre as violações de direitos que por se inserirem «no quadro do processo executivo externo do facto» representam uma agressão direta, e aquelas que devido à interposição de plúrimas causas intermediárias constituem apenas um efeito remoto de determinado comportamento. Só no primeiro caso a consequência da violação se apresenta ainda como inerente à conduta, sem resultar da intermediação de outros fatores, e só nessa hipótese o preenchimento do tipo legal «indicia» a ilicitude, legitimando sem mais o juízo de que o agente ofendeu, v. g., o direito de propriedade de outrem de forma objetivamente ilícita – salvo causa de justificação relevante. O facto praticado no exercício regular de um direito considera-se justificado e, em consequência, lícito, deixando de satisfazer às exigências do artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil. Em face do artigo 342.º do Código Civil, os factos integradores dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual tipicizados no n.º 1 do artigo 483.º, incluindo a ilicitude, são constitutivos do direito de indemnização dela emergente, competindo, por conseguinte, a sua prova ao lesado; por seu turno, os factos integradores de uma causa de justificação, eventos que infirmam na raiz a ilicitude, obstando à eficácia constitutiva deste pressuposto do dever de indemnizar, assumem natureza impeditiva – se não extintiva -, cabendo por consequência ao lesante a prova respetiva. A depreciação sofrida por um prédio mercê de ampliação de edificação erguida no prédio vizinho, traduzindo uma diminuição do valor comercial do imóvel, afeta em especial a faculdade de disposição, amputando o direito do proprietário numa das suas mais relevantes dimensões – a dimensão económica. Não constitui exercício regular de um ius edificandi, suscetível de justificar essa lesão do direito de propriedade, a concreta atividade de execução da aludida obra de ampliação, relativamente à qual se constatou, vistoriada pela câmara, exceder em cerca de 52% a superfície de construção licenciada, e cuja continuação nem o embargo municipal adrede implementado logrou paralisar».