(Relatora: Maria Clara Sottomayor) O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que, «por força de uma interpretação atualista e sistemática do preceito, que tem em conta a conjuntura do momento em que a lei é aplicada (a crescente perigosidade e frequência dos acidentes de viação e as necessidades de proteção dos lesados), bem como a unidade da ordem jurídica (vejam-se os lugares paralelos do sistema no regime da responsabilidade do produtor, responsabilidade por acidentes de trabalho e por acidentes causados por aeronaves e embarcações de recreio), aderimos à orientação jurisprudencial fixada no acórdão deste Supremo Tribunal, de 04-10-2007, que admite a concorrência entre o risco próprio do veículo e a culpa do lesado. No mesmo sentido concorre o princípio da interpretação conforme ao Direito Comunitário, de acordo com o qual o juiz nacional deve, entre os métodos permitidos pelo seu sistema jurídico, dar prioridade ao método que lhe permite atribuir à disposição de direito nacional em causa uma interpretação compatível com o direito originário e derivado da União Europeia. O TJUE, apesar de reconhecer que a escolha do regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação de veículos é, em princípio, da competência dos Estados-Membros, e que a culpa da vítima pode excluir ou limitar a indemnização, através de uma apreciação individualizada de cada caso, veda uma exclusão automática da indemnização ou uma redução desproporcionada desta, visando, sobretudo, que os lesados mais vulneráveis, entre os quais incluiu os peões e as crianças, sejam objeto de um tratamento mais favorável. Não se pode classificar como grave a culpa da mãe da criança que atravessa a estrada com a filha ao colo, nem atribuir ao comportamento desta uma eficácia exoneratória total da responsabilidade pelo risco do veículo, pois, a matéria de facto não fixou a que velocidade circulava o veículo FR, o local do acidente nem a distância que mediava entre o veículo e as peãs. Decide-se, assim, pela verificação de um concurso da responsabilidade pelo risco próprio do veículo FR com a culpa da lesada, fixando-se, para o cálculo da indemnização, uma proporção de 50% para o risco do veículo e 50% para o contributo causal do comportamento da lesada. O dano da morte da mãe para uma criança de tenra idade deve ser avaliado como superior ao dano sofrido por uma pessoa adulta. Os danos causados às crianças projetam-se ao longo do seu desenvolvimento e diminuem necessariamente as suas capacidades produtivas no futuro, acabando por ser também a sociedade a suportá-los. Assim, é essencial que as crianças recebam, desde logo, uma indemnização equitativa, que possa o mais precocemente possível suprir as perdas provocadas pelo acidente, impedindo o agravamento dos danos e criando oportunidades para o acesso à educação/formação profissional das pessoas menores de idade, que ficam normalmente afetadas nos acidentes de viação, sobretudo se a criança se encontrava num estádio inicial de desenvolvimento».