(Relatora: Maria Cristina Cerdeira) O Tribunal da Relação de Guimarães veio considerar que, «no cálculo da indemnização por perdas salariais e por danos patrimoniais futuros a atribuir ao lesado, nas ações destinadas à efetivação da responsabilidade civil decorrente de acidente de viação, o Tribunal deve basear-se na retribuição líquida (e não ilíquida) auferida pelo sinistrado à data do acidente. Do facto de o autor, após o acidente, não ter contratado uma terceira pessoa para o auxiliar nos atos da sua vida diária e não ter sofrido qualquer prejuízo patrimonial conexo com essa necessidade, por ser a sua esposa que lhe tem prestado esse auxílio, não pode resultar a impossibilidade de o autor ser ressarcido de tal dano patrimonial, tanto mais que se provou que ele irá necessitar do auxílio de terceira pessoa até ao resto da sua vida, durante duas horas por dia, para que se vestir e tomar banho, sendo a sua esposa que passou a gerir a empresa onde ele trabalhava e da qual era sócio-gerente. O dano biológico, perspetivado como diminuição somático-psíquica e funcional do lesado, com substancial e notória repercussão na vida pessoal e profissional de quem o sofre, é sempre ressarcível, como dano autónomo, independentemente do seu específico e concreto enquadramento nas categorias normativas do dano patrimonial ou do dano não patrimonial. A indemnização a arbitrar pelo dano biológico sofrido pelo lesado consubstanciado em limitações funcionais relevantes e algumas sequelas físicas, deverá compensá-lo – para além da presumida perda de rendimentos, associada àquele grau de incapacidade permanente – também da inerente perda de capacidades, mesmo que esta não esteja imediata e totalmente refletida no nível de rendimento auferido. No que diz respeito ao dano biológico referente à perda ou diminuição da capacidade para o trabalho e, mais genericamente, ao dano patrimonial futuro, a justa indemnização deve corresponder a um capital produtor do rendimento que a vítima não irá auferir e que se extinguirá no final do período provável da sua vida, devendo, por isso, ser calculada com referência ao tempo provável de vida do lesado (normalmente através da referência à esperança média de vida), e não com base na idade da reforma, posto que só assim se logrará reconstituir a situação que existiria se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação. A regra ou princípio geral segundo a qual o benefício da antecipação deve descontar-se na indemnização arbitrada pelo dano patrimonial futuro deve ser adequada às circunstâncias do caso concreto, podendo nomeadamente tal benefício ser eliminado ou apagado perante a existência provável de um particular agravamento ou especial onerosidade dos danos patrimoniais futuros expectáveis que importa compensar com recurso a critérios de equidade. Atualmente, dada a inexistência, no sistema bancário, de produtos financeiros sem risco associado cujas taxas de juro proporcionem rendimento líquido e a instabilidade que nos anos mais recentes se tem verificado no sistema bancário, não há fundamento para considerar que a antecipação do pagamento da indemnização correspondente ao dano futuro, relativamente à produção deste, proporciona algum benefício ao lesado, nem, logicamente, para a dedução de qualquer parcela da indemnização a esse título. A indemnização por danos não patrimoniais, não podendo embora anular o mal causado, destina-se a proporcionar uma compensação moral pelo prejuízo sofrido. Embora a lei não defina quais são os danos não patrimoniais merecedores de tutela jurídica, tem sido entendido unanimemente pela doutrina e jurisprudência que integram tal ideia as dores e padecimentos físicos e morais, angústia e ansiedade produzidas pela situação de alguém que sofreu um acidente e as lesões decorrentes, os danos resultantes de desvalorização, deformidades, além do sofrimento atual e sentido durante o tempo de incapacidade, a angústia acerca da incerteza e futuro da situação e a existência e grau de incapacidade sofridos, sendo de valorar, também, a circunstância da vítima ter sofrido períodos de doença significativos, com prolongados internamentos hospitalares, períodos de imobilização e intervenções cirúrgicas, dificuldades de locomoção e de condução, além das restrições pessoais e sociais daí decorrentes. No caso de um homem de 44 anos de idade à data do acidente (atualmente com 52 anos de idade), que sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 54 pontos, que é engenheiro de polímeros e desempenhava as funções de Diretor Comercial de uma empresa que comercializa baterias industriais, que se encontra reformado por invalidez com efeitos desde 26/05/2017 (depois do acidente), que ficou com graves sequelas que o incapacitam de executar determinadas tarefas inerentes à sua atividade profissional e implicaram que ficasse com limitações na sua condição física necessária ao desempenho de tarefas do seu dia-a-dia, com um quantum doloris de grau 6 (numa escala de 1 a 7), dano estético de grau 4, repercussão nas atividades desportivas e de lazer de grau 4 e repercussão na atividade sexual de grau 5, que ficou com sequelas do foro psiquiátrico, apresentando um quadro depressivo, com sentimentos de angústia, tristeza, receios e ansiedade, bem como a diminuição e vergonha sentidas perante a transformação do seu corpo e a disfunção eréctil total de que padece, justifica-se que a indemnização por danos não patrimoniais, de acordo com uma jurisprudência atualista, seja fixada em € 60.000,00. Os danos não patrimoniais sofridos pelo cônjuge do lesado em acidente de viação, só merecem a tutela do direito, a coberto do artigo 496º, n.º 1, do Código Civil, à luz do firmado no AUJ do STJ n.º 6/2014 de 9/01/2014, proferido no processo n.º 6430/07.0TBBRG, publicado no Diário da República nº. 98, 1ª Série, de 22/05/2014, em casos de elevada gravidade dupla, ou seja, quanto às lesões da vítima sobrevivente e quanto ao sofrimento do respetivo cônjuge. Para compensar o dano não patrimonial da Autora, na qualidade de cônjuge do A. sinistrado, por estar privada de se relacionar sexualmente com o seu marido, em virtude deste ter ficado com disfunção eréctil total em consequência das lesões sofridas no acidente, considera-se adequada uma compensação no valor de € 40.000,00».