(Relator: Luís Espírito Santo) O Tribunal da Relação de Lisboa veio considerar que «a figura da denominada perda de chance processual corresponde à verificação de uma situação de desvantagem patrimonial consubstanciada na privação da oportunidade de obter um resultado favorável em processo judicial, exclusivamente imputável à conduta ilícita do advogado mandatário do lesado, concretizada na falta de atenção, zelo e diligência que deveria ter sido empregue pelo causídico ao exercer tecnicamente os direitos que assistiam ao respetivo mandante. Esta figura tem por objeto a frustração da obtenção de um resultado positivo futuro, mas suscetível de verificação atual, embora sem nunca se poder considerar como totalmente assegurada (e infalível) a sua efetiva ocorrência. Tendo a Ré advogada que patrocinou a A. em ação especial de insolvência tido como premeditado escopo a obtenção do benefício da exoneração do passivo restante, a não apresentação atempada, por sua parte, do certificado do registo criminal da sua cliente, não obstante notificada pelo juiz para esse preciso efeito, e a não interposição de recurso contra a decisão de indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante com fundamento na falta da junção desse documento, são por si só suficientes para se poder concluir que a Ré, atuando no exercício da sua atividade profissional de advogada e como mandatária judicial constituída, não realizou, com a atenção, cuidado e diligência devidos, os atos processuais que lhe eram exigíveis e que poderiam conduzir ao hipotético e provável deferimento do almejado benefício da exoneração do passivo restante (tanto na fase liminar como posteriormente). De todo o modo, competia à ora demandante configurar, no plano dos factos por si alegados, os elementos conformadores do efetivo e real prejuízo que a conduta ilícita da demandada, sua advogada no processo de insolvência, lhe teria efetivamente causado, ainda que em termos de simples projeção futura. Em especial, tendo em conta que o efeito extintivo de obrigações associado à concessão do benefício da exoneração do passivo restante só operaria no termo do período referido no artigo 237º, alínea b), do CIRE (cinco anos posteriores ao encerramento do processo de insolvência), cabia naturalmente à A. fornecer aos presentes autos todas as informações que permitiram, com um mínimo de rigor e justificação, aquilatar da existência do dano verificado pela privação da oportunidade de se atingir tal momento processual, tratando-se de um conjunto de elementos e informações que a A. certamente disporia ou facilmente poderia obter, sendo seu dever processual elencá-los discriminadamente, efetuando assim uma projeção fundamentada e reconstitutiva de todo o percurso hipotético resultante do (provável) deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, o que tornaria plausível e razoável o apuramento de uma verba correspondente ao prejuízo realmente sofrido em consequência da inépcia técnica da sua advogada. Havendo a A., na sua petição, pedido a condenação da Ré a pagar-lhe “o valor de € 750.000,00, equivalente ao valor dos créditos reconhecidos”, é evidente e manifesta a absoluta inadequação desse pedido para determinar o valor do prejuízo conexionado com a dita perda de chance, uma vez que a eventual futura concessão do benefício da exoneração do passivo restante não libertaria a A, enquanto entidade insolvente, da responsabilidade geral pela satisfação da integralidade dos créditos de que são titulares os seus credores, nos limites da massa insolvente. Não compete, naturalmente, ao tribunal superior encontrar, oficiosamente e em sede de recurso, o valor (não alegado) correspondente a esse mesmo dano concreto, sem que a A. houvesse a este propósito trazido aos autos, como lhe competia, constituindo o seu especial ónus, os factos que lhe serviriam de suporte fundamental, sendo que tal alegação e prova era absolutamente essencial para o integral preenchimento dos pressupostos de indemnizar derivadas da referida perda de chance. Não é admissível a modificação do pedido em alegações de recurso, pedindo agora a A. que a Ré fosse condenada “no que se viesse a apurar em sede de liquidação”, na medida em que não tem o menor respaldo exigido pelo artigo 265º do Código de Processo Civil. Para que teoricamente tivesse lugar a condenação no que se viesse a liquidar futuramente, sempre seria necessário e absolutamente indispensável que, na ação declarativa respetiva, tivessem ficado perfeita e completamente definidos, por provados, os pressupostos da obrigação de indemnizar e, em particular, a verificação do dano concreto, ou o critério objetivo para a sua determinação – o que não sucedeu, desde logo, na medida em que a A., agora patrocinada por outra ilustre mandatária judicial, limitou-se inutilmente a peticionar, a este título, um valor clara e completamente desfasado da figura jurídica a que recorreu e que nunca poderia ser considerado para estes efeitos. Ainda que se viesse a remeter para critérios de equidade a quantificação desse mesmo prejuízo – pedido que a ora A., podendo fazê-lo, não o deduziu em momento e a título algum – sempre seria indispensável a alegação das referências factuais objetivas que permitiram proceder então – e só então – ao pertinente juízo de equidade, sem o que o valor a atribuir constituiria apenas um valor sem sentido, disparado à sorte e no escuro. Aceitando, aliás, que no apuramento da indemnização por perda de chance deverá privilegiar-se o recurso à equidade, o certo é que tal operação nunca poderia ter lugar sem previamente o interessado fornecer aos autos, como constituía seu especial ónus (cfr. artigo 342º, nº 1, do Código Civil), os factos essenciais de referência que habilitariam o tribunal, de forma séria, objetiva e fundada, a encontrar o montante equilibrado e adequado à quantificação, pela equidade, da perda projetada. Pelo que a presente ação, fundada em perda de chance processual, terá que ser julgada improcedente».