(Relator: Jorge Arcanjo) O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que «o nosso Código Civil não contém expressamente qualquer norma que especifique o círculo de sujeitos a quem cabe o direito à indemnização dos danos resultantes de um facto lesivo, no domínio da responsabilidade civil delitual. No entanto, em princípio, o direito à reparação apenas cabe à pessoa ou pessoas titulares do direito ou interesse juridicamente protegido, ou seja, aos lesados. Muito embora se deva aceitar uma conceção atípica dos modos de lesão, significando relevar ainda a ilicitude causada de forma indireta, não parece, em termos de direito positivo, que, em caso de morte de uma pessoa, a lei atribua a qualquer “terceiro” o direito de indemnização, a coberto do artigo 483 nº1 (1ª parte) CC. O artigo 495º do CC é uma norma de natureza excecional, pelo que apenas nos casos aí previstos a lei admite o ressarcimento dos danos patrimoniais indiretos provocados a terceiros, não sendo indemnizáveis os denominados danos patrimoniais “reflexos” que, fora da previsão, sejam indiretamente causados a terceiros. A jurisprudência do TJUE tem também afirmado que a Diretiva nº 2009/103 do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/09/2009, à semelhança das diretivas que codifica, não visa harmonizar os regimes de responsabilidade civil dos Estados Membros e que, no estado atual do direito da União, estes continuam a ser livres de determinar o regime de responsabilidade civil aplicável aos sinistros resultantes da circulação dos veículos automóveis, pelo que os Estados Membros conservam, em princípio, a liberdade de determinar, especialmente, quais os danos causados por veículos automóveis que devem obrigatoriamente ser objeto de indemnização, o alcance do direito à indemnização e as pessoas que têm direito à mesma. Assim, a obrigação de cobertura, pelo seguro de responsabilidade civil, dos danos causados a terceiros por veículos automóveis é definida e garantida pela regulamentação da União, enquanto a extensão da indemnização desses danos a título da responsabilidade civil do segurado é regulada, essencialmente, pelo direito nacional. O Direito da UE e, em particular, as Diretivas de Seguro Automóvel codificadas na Diretiva n.º 2009/103/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 16/09/2009 que consolidou e substituiu as diretivas anteriores, não impõe o ressarcimento dos danos patrimoniais indiretamente sofridos pelos aqui recorrentes em consequência da morte da sua filha, e que não se encontram previstos no artigo 495.º do CC, não havendo qualquer desconformidade entre o disposto nesse normativo e a referida Diretiva na interpretação que tem sido seguida pelo TJUE. A jurisprudência do TJUE tem admitido de forma consistente a dispensa da obrigação de suscitar a questão prejudicial de interpretação, por insusceptibilidade de recurso, nas seguintes situações: (i) quando a questão de direito da UE suscitada for impertinente ou desnecessária para a resolução do litígio concreto; (ii) quando o TJUE já se tenha pronunciado, de forma firme, sobre a questão a reenviar em caso análogo, em sede de reenvio ou outro meio processual, atento o efeito erga omnes das suas decisões; (iii) quando o tribunal nacional considere que as normas da UE aplicáveis não suscitam dúvidas interpretativas, ou sejam suficientemente claras e determinadas, aptas para serem aplicadas imediatamente, sendo que a clareza das normas aplicáveis deve resultar da sua interpretação teleológica e sistemática e da referência ao contexto histórico, social e económico em que foram adotadas. O TJUE não pode ser chamado a pronunciar-se, no âmbito de um reenvio a título prejudicial, sobre a interpretação a dar às disposições do nosso direito interno ou de qualquer outro ordenamento jurídico europeu, não sendo essa a competência que os Tratados atribuíram ao TJUE. Há hoje uma preocupação superadora da tradicional categoria de “dano moral”, ampliando o seu espetro, de molde a abranger outras manifestações que a lesão provoca na pessoa, e já não a simples perturbação emocional, a dor ou o sofrimento, procurando erigir-se um novo modelo centralizado no “dano pessoal” que afeta a estrutura ontológica do ser humano, entendido como entidade psicossomática e sustentada na sua liberdade, correspondendo a duas únicas categorias de danos: o “dano psicossomático” e o “dano ao projeto de vida”, com consequências extrapatrimoniais, sendo esta a conceção que melhor se adequa à natureza e finalidade da indemnização pelos danos extrapatrimoniais/pessoais, pondo o enfoque na vítima, com implicações na (re)valorização compensatória, maximizada pelo princípio da reparação integral. Provando-se que em consequência de acidente de viação, causado exclusivamente pelo condutor do veículo seguro, faleceu a filha dos Autores ( pais ), sendo filha única, de 22 anos de idade, que vivia junto com os pais, tendo estes ficado profundamente abalados psíquica e emocionalmente e envolvidos numa grande tristeza, e que a morte da sua única filha afetou os Autores de forma permanente e irreversível, designadamente a nível psíquico, psiquiátrico ou neurológico, com acompanhamento médico, tratamento medicamentoso antidepressivo, desenvolvendo ambos perturbações psíquicas, caracterizadas por humor depressivo e manifestações ansiosas, dificuldade de adaptação à perda sofrida, com comportamentos de evitamento que reúne critérios de diagnóstico para Perturbação de Stress Pós-Traumático e que este quadro lhes acarreta uma repercussão em grau ligeiro na sua autonomia pessoal, social e profissional, valorizável em 9 pontos, deve estimar-se o dano não patrimonial em € 50.000,00 ( cinquenta mil euros) para cada um dos pais».

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