(Relator: Luís Cravo) O Tribunal da Relação de Coimbra veio considerar que «a responsabilidade civil médica pode ter, simultaneamente, natureza extracontratual e contratual, pois o mesmo facto pode constituir, a um tempo, uma violação do contrato e um facto ilícito lesivo do direito absoluto à vida ou à integridade física. Em regra, a jurisprudência aplica o princípio da consunção, de acordo com o qual o regime da responsabilidade contratual consome o da extracontratual, solução mais ajustada aos interesses do lesado (dada a presunção de culpa que onera o devedor – cf. artigo 799º, nº1 do Código Civil), e mais conforme ao princípio geral da autonomia privada. Tendo-se o A. apresentado à 2ª Ré Clínica e 3º Réu médico a coberto de um contrato de seguro celebrado pela sua entidade patronal e tendo eles atuado no âmbito de um contrato de prestação de serviços médico-cirúrgicos – previsto no art. 1154º do Código Civil, que o define como «aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição» – que mantinham com a seguradora 1ª Ré, o conteúdo da relação estabelecida entre o A. e aquele médico e Clínica está indubitavelmente contratualizado, isto é, estamos no domínio da responsabilidade civil contratual. Sem embargo, o resultado a que alude o dito artigo 1154º do Código Civil não é a cura em si, mas os cuidados de saúde, isto é, no âmbito de tal contrato, não recai sobre o médico o dever de promover a cura do doente com quem contrata ou a obrigação de lhe restituir a saúde, mas somente a obrigação de empreender todos os meios adequados à obtenção de tal resultado. Considerando-se que a obrigação do médico é uma obrigação de meios, sobre este recai o ónus da prova de que agiu com a diligência e perícia devidas, se se quiser eximir à sua responsabilidade, nos termos do artigo 799º, nº1 do Código Civil, que consagra uma presunção de culpa do devedor. Mas esta presunção refere-se, tão só, à culpa, pois que a prova da existência do vínculo contratual e da verificação dos factos demonstrativos do incumprimento ou cumprimento defeituoso do médico competiria sempre ao doente (o aqui A./recorrente). No caso, de prestação de serviços médicos, a responsabilidade médica, por negligência, por violação das leges artis, tem lugar quando, por indesculpável falta de cuidado, o médico deixe de aplicar os conhecimentos científicos e os procedimentos técnicos que, razoavelmente, face à sua formação e qualificação profissional, lhe eram de exigir: a violação do dever de cuidado pelo médico traduz-se precisamente na preterição das leges artis em matéria de execução da sua intervenção. In casu, porque face à contraprova feita por esses RR., não se evidencia a prática de algum erro no que respeita aos meios e técnicas de tratamento adotados de harmonia com as leges artis, impõe-se concluir no sentido de que estes RR. lograram ilidir a presunção de culpa que sobre eles incidia. Já a obrigação da 4ª Ré Clínica não era quanto ao particular em causa – de correta esterilização de instrumentos e higienização – uma obrigação de resultado, antes a de utilizar os meios necessários e adequados à prevenção e combate de infeções nas suas instalações, impondo-se a conclusão de ter ela feito a contraprova de que a pretendida “não infeção-resultado” (ou melhor, os danos) não decorre de ilícito seu culposo – por ter atuado com o grau de diligência exigível segundo os adequados padrões impostos pelas leges artis».

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