(relator: Fonseca Ramos) O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que, «provado que o autor, com seis anos de idade, se pendurou com as mãos no taipal da retaguarda de um veículo ligeiro misto antes do seu condutor iniciar uma manobra de marcha atrás, numa rua estreita de grande inclinação que dá acesso à casa do menor e que, pelas suas dimensões, não permitia inversão de marcha, tendo o condutor iniciado a manobra sem se aperceber que o menor estava pendurado no taipal e não podendo avistá-lo do interior da viatura, não se apercebendo que, no decurso da manobra, efetuada lentamente, no sentido descendente, o autor havia caído ao solo, queda esta na sequência da qual a roda traseira do lado do condutor apertou o autor na zona abdominal, tendo sofrido danos físicos e psicológicos, verifica-se que o menor foi o culpado do acidente e que ao condutor nenhuma culpa pode ser assacada porque não violou qualquer norma estradal nem deveres gerais de cuidado. Algumas decisões, sobretudo deste Supremo Tribunal, têm vindo a afastar-se do entendimento tradicional e largamente maioritário de que havendo culpa do lesado, o risco próprio do veículo interveniente no acidente, previsto no arigo 503.º, n.º 1, do CC, fica excluído, nos termos do artigo 505.º do CC, ou seja, não há lugar a concorrência de culpa e responsabilidade objetiva pelo risco. (…) Em caso de contribuição exclusiva de um peão, como no caso, mesmo tratando-se de um menor que, naturalmente e como se implicita do caso, passa o seu tempo descuidadamente numa rua próximo de casa, que reputa seu espaço de lazer, não pode considerar-se que o veículo envolvido no sinistro, em si mesmo, aportou um risco inerente à sua circulação concorrente com a atuação do lesado, o que seria impor um gravame injustificado atendendo a que a lei, no artigo 503.º, n.º 1, do CC, já consagra a responsabilidade objetiva no domínio da circulação rodoviária. Sendo de atribuir o acidente exclusivamente a atuação culposa da vítima, não concorrendo para a respetiva eclosão, em termos de causalidade adequada, o risco inerente à circulação do veículo envolvido no acidente, porque a potencialidade de perigo que encerra a sua circulação foi alheia ao sinistro, não se pode considerar a concorrência de um risco causalmente adequado, inerente à circulação do veículo e resultado danoso sofrido por culpa exclusiva da vítima».