(Relator: José Capacete) O Tribunal da Relação de Lisboa veio considerar que «no n.º 2 do artigo 493.º do CC, o legislador português, na esteira do italiano, ao referir-se a «atividade perigosa», recorreu à combinação de uma cláusula geral legal com um conceito indeterminado, que não define, nem em geral, nem para os efeitos do disposto na dita norma, limitando-se a relacionar a perigosidade com a natureza da atividade ou dos meios utilizados, remetendo para a doutrina e para a jurisprudência o papel de densificação da expressão, pelo que será em face das circunstâncias do caso concreto que se determinará se certa atividade é ou não perigosa. O preenchimento de tal conceito pressupõe uma especial probabilidade de «aquela concreta atividade» causar um dano a terceiro, significando isto que é necessário que a concreta atividade desenvolvida pelo lesante acarrete um perigo que vá para além do que é normal noutras atividades, sendo expectável que dela possam resultar danos que, em termos de normalidade, não ocorreriam noutra atividade. “Atividade perigosa” é, assim, aquela, cujo perigo, que objetivamente a encerra, acompanha o seu correto e adequado exercício, mesmo enquanto «tudo correr bem» e ainda que «tudo corra bem», e não aquela que apenas recebe tal qualitativo quando algo corre mal e o dano acontece, pois que a perigosidade é aferida a priori, residindo no próprio processo, e não no resultado danoso, muito embora a magnitude deste possa evidenciar o grau de perigosidade da atividade. Como pontos de vista genericamente orientadores para aferição de uma atividade perigosa, servem alguns dos critérios que valem como pilares da imputação pelo risco, o que demonstra a relação de intercomunicabilidade que a este nível liga o objeto das cláusulas gerais atinentes ao exercício de atividades perigosas com o das regras especiais de responsabilidade objetiva e, por conseguinte, a fluidez de fronteiras que as separa. Neste conspecto, é perigosa, nos termos e para os efeitos do citado normativo, a atividade de transporte de pessoas numa embarcação de recreio, no mar, para observação de golfinhos e baleias. No exercício de uma atividade perigosa, não basta ao lesante, para ilidir a presunção de culpa decorrente do n.º 2 do artigo 493.º do CC, provar que agiu com os cuidados de um homem normal, em circunstâncias igualmente normais e de acordo com a diligência de um bom pai de família, conforme exige o artigo 487º, nº 2, havendo um plus que se lhe impõe e que decorre da própria perigosidade da atividade em causa, pois todo este regime assenta no princípio da prevenção do perigo e os deveres que recaem sobre o agente são deveres especiais de cuidado, deveres de segurança no tráfego. Os ditames de unidade sistemática impõem que a determinação do conteúdo da prova liberatória, nos termos do n.º 2 do artigo 493.º do CC, obedeça, em simultâneo, a dois parâmetros fundamentais que só aparentemente são contraditórios: a sua contenção dentro dos limites do princípio da culpa; o acatamento da intencionalidade legislativa, materialmente justificada, de criar um regime de responsabilidade mais severo para o exercício das atividades perigosas. A prova positiva da causa de um sinistro não significa a demonstração de que foram levadas a cabo todas as medidas necessárias para obstar aos danos sofridos pelo lesado, mas apenas a demonstração de que não foi por falta dessas providências que tais danos ocorreram. O artigo 41.º do Regulamento da Náutica de Recreio, aprovado pelo Dec. Lei n.º 124/2004, de 25.05, correspondente ao atual artigo 32.º do Decreto-Lei n.º 93/2018, de 13.11, consagra um daqueles casos excecionais, típicos de responsabilidade objetiva ou pelo risco, a que alude o n.º 2 do artigo 483.º do CC. Por conseguinte, ainda que tivesse logrado ilidir a presunção de culpa decorrente do n.º 2 do artigo 493.º do CC, sempre a exercente responderia pelos danos sofridos pela lesada, nos termos do n.º 2 do artigo 483.º, do mesmo código, e do artigo 41.º daquele Regulamento, com base na responsabilidade objetiva ou pelo risco, caso em que lhe seriam extensivas, na parte aplicável e por inexistirem preceitos legais em contrário, as disposições reguladoras da responsabilidade por factos ilícitos, nomeadamente o artigo 494.º do Código Civil (art. 499.º do mesmo diploma)».