(Relator: Manuel Augusto de Matos) O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que «decorre do artigo 483.º, n.º 1, do CC que a ilicitude advém da violação de direitos subjetivos e de normas de proteção, postulando, pela negativa, a inexistência de causas de justificação. Não tendo a responsabilidade civil uma função exclusivamente reconstitutiva, prevê-se uma função compensatória para os danos não patrimoniais que, nos termos do artigo 496.º, n.º 1, do CC, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. O arguido abusou sexualmente da ofendida, internada, em cuidados de saúde continuados – na Clínica B, pertencente à também demandada civil Fundação P – padecendo de doença grave e incurável, com síndrome demencial, normalmente apática. Estamos perante a prática de um facto pelo arguido pautado por um intenso grau de ilicitude e de culpabilidade, observando-se igualmente um evidente nexo causal entre o facto ilícito e um dano. No que respeita aos cidadãos portadores de deficiência física ou mental, o artigo 71.º, n.º 1, da CRP reconhece-lhes o gozo pleno dos direitos. Trata-se de um direito de igualdade, de um direito a não serem vítimas de uma capitis diminutio, não podendo ser privado de direitos, ou ver os seus direitos restringidos por motivo de deficiência, para além daquilo que seja consequência forçosa da deficiência. Nesse sentido também prevê a Convenção sobre os direitos das pessoas com deficiência, adotada em Nova Iorque em 30-03-2007, aprovada pela resolução da AR n.º 56/2009. Com a conduta do arguido-demandado civil, a ofendida-demandante sofreu objetivamente um prejuízo, uma lesão na sua integridade física e moral, uma diminuição de bens jurídicos essenciais da sua personalidade, independentemente da sua perceção subjetiva pela mesma ofendida. Não se admitindo o direito à indemnização pelo dano não patrimonial, as vítimas incapazes de exprimirem inteligivelmente sensações ou sem capacidade de reação perante agressões contra si praticadas não mereciam total proteção do ordenamento jurídico, ficando expostas a ofensas e abusos como os que foram levados a cabo pelo arguido. Tratar-se-ia de uma situação intolerável. Afigura-se correto o juízo de equidade da 1.ª instância traduzido no arbitramento de uma indemnização de € 40 000. O arguido exercia funções de auxiliar de ação médica na Clínica B, tendo como incumbência a prestação de cuidados de higiene e alimentação aos diversos doentes que ali permaneciam internados, sob a supervisão da equipa de enfermagem. A responsabilidade da demandada Fundação P decorre do art. 500.º do CC (responsabilidade do comitente), e é solidariamente responsável pelo pagamento aos demandantes da indemnização pelos danos não patrimoniais que se constituíram na esfera jurídica da falecida».