(Relatora: Maria Clara Sottomayor) O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que «tem sido maioritariamente entendido na jurisprudência deste Supremo Tribunal que a responsabilidade civil por ato médico assume a natureza de responsabilidade contratual, por força do princípio da autonomia privada e por assim se assegurar uma maior proteção aos lesados, nomeadamente em relação ao prazo mais longo de prescrição (artigo 309.º do Código Civil) e ao ónus da prova da culpa (artigo 799.º, n.º 1, do Código Civil). As normas de direito nacional (os artigos 70.º, n.º 1, 81.º e 340.º, todos do Código Civil, e o artigo 157.º do Código Penal) e internacional (artigos 5.º da Convenção dos Direitos Humanos e Biomedicina e 3.º, n.º 2, da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia) impõem, como condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, que estes consintam nessa ingerência e que esse consentimento seja prestado de forma esclarecida, isto é, estando cientes dos dados relevantes em função das circunstâncias do caso, entre os quais avulta a informação acerca dos riscos próprios de cada intervenção médica. Para apreciar as questões de direito a tratar, designadamente, o ónus da prova do consentimento informado e a extensão do dever de informação, é relevante a circunstância de se tratar de uma cirurgia estética, em que a intervenção não corresponde a uma necessidade terapêutica e a obrigação do médico é uma obrigação de resultado ou quase resultado. A prova do consentimento informado, enquanto facto impeditivo do direito da autora (paciente), compete ao réu/recorrido (médico), nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil. Nas cirurgias estéticas, destinadas a melhorar a imagem de uma pessoa, os deveres de informação do médico são mais exigentes e rigorosos do que na cirurgia curativa ou assistencial e abrangem os riscos significativos e graves, mesmo que raros. O médico tem, assim, o dever de chamar a atenção dos pacientes para os prognósticos mais pessimistas de uma intervenção estética, ainda que pouco frequentes, mesmo que estes prognósticos possam funcionar como um desincentivo à intervenção. Este dever é tanto mais intenso quanto menor for a finalidade curativa. O risco será significativo, em razão dos seguintes critérios: (1) a necessidade terapêutica da intervenção, (2) em razão da sua frequência (estatística), (3) em razão da sua gravidade, e (4) em razão do comportamento do paciente. O conhecimento da gravidade dos riscos e do seu caráter significativo constitui um elemento que é controlado pelo médico especialista, que se presume dominar as leges artis e o estádio da ciência, devendo, portanto, ser ele a demonstrar que, ou forneceu a informação completa à paciente, ou que não a forneceu porque não existia à data qualquer conhecimento médico e farmacêutico sobre os riscos que vieram a verificar-se, sendo imprevisível a ocorrência das infeções sucessivas verificadas no rosto da paciente. Se o médico não provar que cumpriu os deveres de esclarecimento e que agiu ao abrigo de uma causa de justificação, recai sobre ele todo o risco de responsabilidade da intervenção médica, incluindo os fracassos da intervenção e os efeitos secundários não controláveis. (…) Tendo a consagração dos deveres de informação como escopo permitir regular a formação da vontade do paciente, uma vez demonstrada a omissão ou a deficiência da informação prestada perante os danos sofridos, deverá presumir-se que a omissão ou a deficiência da informação foi causa da decisão do paciente; que da lesão do bem jurídico protegido – o exercício do poder de autodeterminação sobre o próprio corpo e sobre os serviços de saúde, a correta formação da vontade – resultaram os danos patrimoniais e não patrimoniais concretamente sofridos pelo paciente. Resulta da matéria de facto provada que a Autora, na sequência das infeções sofridas ficou com deformações físicas no rosto e “completamente desfigurada”, foi sucessivamente internada e submetida a cirurgias para debelar as infeções e proceder à remoção cirúrgica dos granulomas, tendo sofrido um quantum doloris de 6 numa escala 7, um dano estético de 7 numa escala de 7 e um dano de afirmação pessoal de 7 numa escala de 7. O dano estético no rosto não é meramente um dano corporal ou físico, mas, em virtude de incidir sobre a parte do corpo mais importante para a personalidade, para a identidade e sentimento de si, e para a comunicação com os outros, repercute-se na relação da pessoa consigo mesma e com os outros, na alegria de viver, nas capacidades sociais e profissionais, na vida de relação, resumindo, na totalidade da existência da pessoa, no seu “eu” e na sua auto-estima. Assim, dada a natureza profunda e global dos danos não patrimoniais suportados, devido à particularidade de o dano estético ser no rosto e ter atingido o valor máximo na escala, afetando, de forma grave, todas as dimensões da personalidade humana e produzindo impacto negativo (tristeza, ansiedade, angústia e dor) nas condições da existência da autora enquanto pessoa, isolamento na sua vida social e relacional, incapacidade profissional, com perda da realização pessoal e da alegria de viver, julga-se equitativo arbitrar um valor de 150.000 euros a título de danos não patrimoniais».