(Relatora: Laurinda Gemas) O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que, «no quadro da responsabilidade civil por facto ilícito emergente de acidente, todo aquele que intenta uma ação de indemnização nela fundada tem de demonstrar que estão verificados os respetivos pressupostos, factos constitutivos do direito que o lesado se arroga (artigo 342.º, n.º 1, do CC), salvo se existir uma presunção legal de culpa, com a consequente inversão do ónus da prova (cf. artigos 487.º, n.º 1, e 344.º, n.º 1, do CC). Não resultando dos factos provados a prática pelo condutor do veículo automóvel interveniente no acidente (o atropelamento do Autor quando atravessava a faixa de rodagem) de uma contraordenação estradal ou a violação de um dever geral de cuidado, importa indagar se a responsabilidade pelo acidente corre por conta do risco da proprietária do veículo, que se presume que tem a direção efetiva do mesmo e o utiliza no seu próprio interesse (cf. artigo 503.º, n.º 1, do CC), estando previsto no artigo 505.º do CC que essa responsabilidade é excluída quando se prove que o acidente aconteceu por “culpa”/facto imputável ao peão ou a terceiro, ou que o acidente se deu por caso de força maior estranha ao funcionamento do veículo. No caso dos autos, estando provado que o Autor atravessou a faixa de rodagem sem previamente se certificar de que, tendo em conta a distância que o separava dos veículos (pelo menos dois) que nela transitavam e a respetiva velocidade, o podia fazer sem perigo de acidente, e que, ao realizar o atravessamento da faixa de rodagem, parou e, sem atentar no facto de o veículo segurado (à frente do qual tinha acabado de se atravessar) estar demasiado próximo, recuou, “indo embater na frente esquerda” desse veículo, impõe-se concluir que o acidente se deu em virtude de o Autor – muito provavelmente por a taxa de alcoolemia (1,82 g/l) que apresentava afetar a sua capacidade de discernimento, atenção e reação – ter atravessado a faixa de rodagem de forma temerária, violando os preceitos atinentes à liberdade de trânsito e ao atravessamento da faixa de rodagem por peões (cf. artigos 3.º e 101.º do Código da Estrada). Acompanhamos a corrente jurisprudencial no sentido da interpretação sistemática e atualista dos artigos 503.º, 505.º e 570.º do CC, reconhecendo que não se verifica uma impossibilidade, absoluta e automática, de concorrência (causal) entre “culpa do lesado” ou, melhor dizendo, facto a este imputável, por um lado, e risco do veículo causador do acidente, por outro lado, havendo que considerar diferentes cenários, consoante, a par da contribuição causal do risco do veículo para os danos, seja de qualificar a contribuição causal do lesado como: (i) não culposa (não sendo, pois, de convocar o art. 570.º do CC), podendo ser-lhe atribuída uma indemnização de medida correspondente ao valor total dos danos por si sofridos; (ii) com culpa leve, justificando-se então uma redução proporcional (parecendo adequado que não seja superior a 30%) do valor da indemnização; (iii) com culpa igual ou aproximada à da medida da contribuição causal do risco do veículo, determinando a proporcional redução do valor da indemnização; (iv) com culpa grave ou dolo, em que a indemnização deve ser mesmo excluída ou meramente simbólica. No caso dos autos, apesar de o atropelamento ter sido “imputável ao próprio lesado”, entendemos que, no contexto fáctico apurado, a responsabilidade pelo risco fixada no n.º 1 do artigo 503.º do CC não deverá ser totalmente excluída. Com efeito, a juventude do Autor, a circunstância de à hora do acidente o local ser frequentado por diversas pessoas que circulam, apeadas, provenientes de espaços de lazer e diversão ali existentes, bem como o facto de o Autor, já no decurso do atravessamento da via (que não devia ter iniciado) avistar um outro veículo a grande velocidade e, para evitar o embate com este, ter recuado, leva-nos a considerar que se justifica atribuir-lhe uma indemnização, ainda que de valor simbólico, considerando o pedido formulado e os danos patrimoniais e não patrimoniais que efetivamente resultaram do acidente. O valor da indemnização, sendo simbólico, não deverá ser irrisório, mostrando-se equitativamente adequado fixá-lo num valor próximo do correspondente a 10% do montante do pedido líquido, mais precisamente em 25.000 €, ao qual acrescerão os juros de mora vencidos, à taxa legal, desde a presente data até integral pagamento (cf. artigos 559.º, 805.º, n.º 3, e 806.º, n.º 1, do CC, Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril, e AUJ n.º 4/2002)».