(relator: Pedro Damião e Cunha) A propósito do dano da privação do uso, considera o Tribunal da Relação de Guimarães que, «não tem sido pacífico o entendimento jurisprudencial e doutrinário sobre a indemnização do dano de privação do veículo quando não haja alegação e prova dos concretos prejuízos que daí pudessem eventualmente ter advindo – como sucede no caso concreto. Uma corrente jurisprudencial e doutrinária argumenta que o simples uso de uma viatura constitui uma vantagem suscetível de avaliação pecuniária, pelo que a sua privação constitui, só por si, um dano patrimonial. São normalmente apontadas a esta orientação as críticas decorrentes da dificuldade de aplicação do critério resultante da teoria da diferença – artigo 566º, nº 2, do CC – objeção que se considera ultrapassável por recurso aos critérios de equidade para que aponta o artigo 566º, nº 3, do CC. Numa outra versão desta orientação distingue-se privação do uso e privação da possibilidade do uso, para concluir que só a primeira é em si mesmo geradora da obrigação de indemnizar, e já não a mera privação da possibilidade de uso. Neste caso, embora não seja exigida a prova de todos os danos concretos emergentes da privação de veículo automóvel, exige-se que o lesado demonstre que, se tivesse disponível o seu veículo, o utilizaria efetivamente, normalmente, isto é, que dele retiraria as utilidades que o mesmo está apto a proporcionar. Uma outra corrente, porém, sustenta que muito embora a privação do veículo constitua um ilícito, por impedir o proprietário do exercício dos direitos inerentes à propriedade, é insuscetível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, sendo necessário que se comprove a sua repercussão negativa na situação patrimonial do lesado. Argumenta-se em favor desta orientação, que a indemnização no quadro da responsabilidade civil depende da verificação concreta de danos, referindo-se o disposto no artigo 562º do CC como confirmando essa afirmação. Refere-se ainda o artigo 563º do CC, quando dispõe que a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. Por último, menciona-se o artigo 566º, nº 2, do CC, na medida em que refere que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal e a que teria se não existissem danos. Dentro desta orientação, haverá de atender-se ainda à posição de quantos sustentam que, sendo a mera privação do uso de um veículo automóvel insuscetível de, só por si, fundar a obrigação de indemnização no quadro da responsabilidade civil, “em sede de direito probatório, a prova a efetivar pelo lesado deve ser aliviada e não deve exigir-se como reportada a factos minuciosos, pois que efetivamente, as regras da experiencia e normalidade das coisas nos inculcam a ideia que, nos dias que correm e atenta a hodierna organização económico-social, a perda do uso de um veículo automóvel, por regra, acarreta afetações negativas ao nível dos direitos da personalidade e prejuízos para o seu dono”. Com o respeito devido pelas opiniões divergentes, entende-se, que melhor fundada se mostra a orientação, doutrinária e jurisprudencial, que vê na privação de uso um dano indemnizável em si mesmo, independente da existência ou não da comprovação de outros danos daí decorrentes. A privação de uso consubstancia em si mesmo uma ofensa ao direito de terceiro – máxime ao direito de propriedade – em razão do qual o titular do direito fica inibido de poder dispor do bem para dele retirar virtualidades a que o mesmo se destina. Assim, entendemos que a privação do gozo de uma coisa pelo titular do respetivo direito constitui um ilícito que o sistema jurídico prevê como fonte da obrigação de indemnizar, pois que, por norma ou regra, essa privação impede o respetivo proprietário/titular de dela dispor e fruir as utilidades próprias da sua natureza».