(relator: Moreira do Carmo) O Tribunal da Relação de Coimbra veio considerar que, «a respeito do contrato de prestação de serviços médicos privados em Clínica, pode configurar-se a seguinte tipologia: 1) “contrato total”, que é um contrato misto (combinado) que engloba um contrato de prestação de serviços médicos, a que se junta um contrato de internamento (prestação de serviço médico e paramédico), bem como um contrato de locação e eventualmente de compra e venda (fornecimento de medicamentos) e ainda de empreitada (confeção de alimentos); 2) “contrato total com escolha de médico (contrato médico adicional)”, que corresponde a um contrato total mas com a especificidade de haver um contrato médico adicional (relativo a determinadas prestações); 3) “contrato dividido”, que é aquele em que a Clínica apenas assume as obrigações decorrentes do internamento (hospedagem, cuidados paramédicos, etc.), enquanto o serviço médico é direta e autonomamente celebrado por um médico (atos médicos). No primeiro e segundo casos, haverá responsabilidade contratual da Clínica, por todos os danos ocorridos, enquanto no terceiro caso a clínica não é responsável pelos atos médicos mas apenas relativo aos actos de internamento, havendo neste caso dois contratos separados, respondendo o médico pelo seu próprio incumprimento. Numa situação dessas, recairá sobre a Clínica o ónus de prova de que se trata de um contrato dividido e não de um contrato total. Há índices de que o tribunal se pode socorrer para atestar se é uma figura ou outra, a saber: a) a existência de dois recibos separados, um para os cuidados de internamento e outro para tratamento médico, ou pelo menos, um recibo com os honorários discriminados e diferenciados; b) a relação contratual que une o médico à Clínica: tratando-se de um contrato de trabalho ou uma prestação de serviços regular, o médico presume-se um auxiliar da Clínica, aplicando-se o regime do contrato total ou total com escolha de médico; já se o médico tem total independência de horários, organização do tempo ao longo do ano, ou se o cliente procura a Clínica a pedido do médico, então estaremos perante um contrato dividido. Se dos factos provados nem de outros elementos juntos aos autos não resulta a celebração de nenhum “contrato total” nem qualquer um dos indícios indicados, fica por apurar qual a figura contratual em jogo; como a dita Clínica não foi demandada a mesma, também, não está onerada com qualquer inversão do ónus da prova. Como só foi demandado o médico e defendendo o mesmo que existiu um contrato com a clínica e não com ele, para arredar a sua responsabilidade contratual, então, como facto impeditivo, tinha o ónus de o provar (artigo 342º, nº 2, do CC); este critério corresponde ao critério da normalidade, já que trabalhando o R./médico na dita clínica, conhecendo as circunstâncias em que ela funciona, era ele que, de acordo com a regra da normalidade, estava em posição de facilmente demonstrar que a Clínica foi contratada totalmente pela A., e, por isso, que inexistiu contrato dividido. Acrescendo, ainda, que tal médico ao longo da sua contestação jamais alegou que foi a Clínica a contratada e não ele, médico, havendo outros elementos nos autos que apontam para a sua exclusiva contratação, tudo a inculcar e a fazer concluir que a A. celebrou contrato com o R. para a realização do dito exame e não com a mencionada Clínica, impõe-se concluir que a responsabilidade civil que está em questão é a contratual e não a extracontratual como pugnava tal médico/recorrente. A circunstância de vir provado que, entre as partes, foi firmado um contrato destinado à realização de um exame médico sem finalidade curativa, uma colonoscopia, e que ela foi realizada e dado a conhecer o respectivo resultado, inutiliza a caracterização da obrigação assumida pelo R. perante a A. como obrigação de meios ou de resultado; em abstrato trata-se de uma obrigação de resultado, pois pretende-se a observação e análise do cólon, e respetivo diagnóstico (obtenção dos dados clínicos do exame). É condição da licitude de uma ingerência médica na integridade física dos pacientes, que estes consintam nessa ingerência e que esse consentimento seja prestado de forma esclarecida, isto é, cientes dos dados relevantes em função das circunstâncias do caso, entre os quais avulta a informação acerca dos riscos próprios de cada intervenção médica. Estando em causa a realização de um exame de colonoscopia, sem função curativa, do qual nasce uma obrigação de resultado (obtenção dos dados clínicos do exame), ocorrendo uma perfuração do cólon do paciente, sem que esteja em discussão o cumprimento do dever primário de prestação do médico mas o cumprimento do dever acessório de, na realização do exame clínico, ser respeitada a integridade física daquele, duas construções dogmáticas podem ser perfilhadas: 1) a ocorrência da perfuração do cólon basta para configurar a ilicitude, uma vez que uma lesão da integridade física do paciente, não exigida pelo cumprimento do contrato, implica a sua verificação (ilicitude do resultado), caso em que haverá que ponderar da exclusão da ilicitude pelo consentimento informado daquele quanto aos riscos próprios daquela colonoscopia (cfr. artigo 340º, nº 1, do CC); 2) incumbe ao paciente lesado provar a ilicitude da conduta do médico, isto é a falta de cumprimento do dever objectivo de diligência ou de cuidado, imposto pelas leges artis, dever que integra a necessidade de, no decurso da intervenção médica, tudo fazer para não afetar a integridade física daquele (ilicitude da conduta), caso em que, mesmo não se provando a violação desse dever, ainda assim, sempre se terá de averiguar se foi devidamente cumprido o dever de informar o paciente dos riscos inerentes à intervenção médica e se este os aceitou. A circunstância de se ter provado que a A., paciente, antes da realização do exame feito pelo R. médico assinou um impresso com o título “Consentimento Informado”, contendo uma declaração em que afirma estar informada e consciente dos riscos e eventuais complicações inerentes à realização de um exame de colonoscopia, incluindo a possibilidade de perfuração do intestino, informação prestada antes da realização do exame dos autos, dá satisfação às exigências do consentimento devidamente informado, pois foi feita a prova do esclarecimento quanto ao risco comum de perfuração (inexistindo nos autos matéria provada que apontasse para risco de perfuração superior ao normal)».

Consulte, aqui, o texto da decisão.