(Relatora: Maria da Graça Trigo) O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que «os danos invocados pelos autores nos presentes autos revestem a natureza do que vem sendo denominado como danos económicos puros ou danos puramente patrimoniais, cuja ressarcibilidade, no domínio da responsabilidade civil delitual, constitui a exceção e não a regra, estando circunscrita às seguintes situações: (i) violação de normas de proteção, desde que se verifiquem as condições preenchedoras desta modalidade de ilicitude; (ii) violação de previsão delitual específica que abranja tal categoria de danos; (iii) ocorrência de abuso do direito, nas condições limitadas em que este constitua fonte de responsabilidade civil. A violação de normas de direito administrativo ou de direito urbanístico – podendo ser qualificada como uma ilegalidade – não permite, por si só e de forma automática, responsabilizar civilmente, sendo necessário proceder previamente à determinação do âmbito de proteção da norma ou normas violadas para, subsequentemente, se apurar se os interesses cuja tutela se pretende assegurar se encontram inseridos nesse âmbito. No caso dos autos, importa aferir do preenchimento do pressuposto da ilicitude da conduta da ré e da interveniente à luz das diversas fontes normativas consideradas, a saber: (i) violação de normas destinadas a proteger interesses alheios ou violação de normas de proteção (artigo 483.º, n.º 1, segunda parte do CC); (ii) violação de deveres de prevenção de perigo ou deveres de segurança no tráfego (artigos 492.º e 493.º do CC); (iii) desrespeito pela proibição de emissões nas relações de vizinhança (artigo 1346.º do CC); (iv) responsabilidade civil nas relações de vizinhança (artigo 1348.º, n.º 2 do CC). Para que a ilicitude por violação de normas de proteção se dê como verificada num determinado caso concreto, não basta constatar a existência da violação de uma norma legal; é necessário ainda que se encontrem reunidas as seguintes condições: que o fim da norma violada se dirija à tutela de interesses particulares e que o dano ocorrido se integre no círculo de interesses tutelados pela norma em causa. Ora, a norma que exige a licença de demolição destina-se, primacialmente, a proteger o interesse público, admitindo-se que, concomitantemente, se destine também a proteger interesses particulares. Porém, tem-se como certo que os danos abrangidos pelo círculo dos interesses particulares em causa são aqueles danos originados pela lesão de direitos absolutos (designadamente de direitos personalidade ou de direitos reais) ou equivalentes; e não danos económicos puros ou danos puramente patrimoniais como aqueles que estão em causa na presente lide. De acordo com o entendimento tradicional, prevalecente na doutrina e constante na jurisprudência, a consagração da responsabilidade por violação de deveres de prevenção do perigo ou, na terminologia de origem germânica, deveres de segurança no tráfego (“Verkehrssicherungspflicten”) – entre os quais se contam os que se encontram previstos nos artigos 492.º e 493.º do CC – visa unicamente reparar os danos causados pela lesão de posições absolutamente protegidas, excluindo-se, portanto, os danos económicos puros como aqueles que são invocados nos presentes autos. Tampouco é aplicável ao caso dos autos o regime de responsabilidade por facto lícito previsto no artigo 1348.º do CC, por um lado, porque, ao referir-se a “escavações”, a norma em causa não abrange toda a atividade de construção civil, mas apenas a que se passa ao nível do subsolo, e, por outro lado, porque, uma vez que é a própria lei a enunciar que as condicionantes em causa se destinam a não privar “os prédios vizinhos do apoio necessário para evitar desmoronamentos ou deslocações de terra”, se torna evidente que se pretendem abranger apenas danos gerados pela lesão de posições absolutamente protegidas e não danos económicos puros (ou danos puramente patrimoniais) como os que invocados pelos autores. Deste modo, conclui-se que os interesses dos autores apenas poderão merecer consideração à luz do direito de oposição a emissões provenientes de prédio vizinho previsto no artigo 1346.º do CC. A aplicação ao caso sub judice do regime do artigo 1346.º do CC, com – em caso de desrespeito pelo mesmo – as inerentes consequências indemnizatórias, implica determinar: (i) quem são os sujeitos protegidos; (ii) quem são os sujeitos obrigados; (iii) quais são os direitos abrangidos e correspondentes danos; (iv) como se conjugam as duas situações objetivas previstas na sobredita norma (importarem as emissões um prejuízo substancial para o uso do imóvel ou não resultarem da utilização normal do prédio de que emanam). Resolvidas essas questões e apreciada a factualidade provada, considera-se que: (i) não se verificam os pressupostos de que depende a responsabilidade civil da ré, uma vez que, por um lado, o uso do seu prédio não pode ser tido como anormal e, por outro lado, não se encontra provado o nexo de causalidade adequada entre as emissões produzidas pela obras de demolição e os lucros cessantes invocados; (ii) de qualquer forma, tendo ficado provados os riscos de segurança da moradia da ré, encontrava-se esta obrigada a demoli-la, o que, em si mesmo, constitui causa de exclusão de ilicitude da conduta da mesma ré, exonerando-a de responsabilidade».