(Relator: Carlos Oliveira) O Tribunal da Relação de Lisboa veio considerar que, «tendo ocorrido mais de 1 ano sobre a celebração do contrato de compra e venda de veículo automóvel usado, que a Autora adquiriu a concessionário, pelo preço de €14.600,00, e tendo a compradora circulado normalmente com esse veículo durante todo esse tempo, fazendo mais de 20.000 Km, afigura-se desproporcionado, porque contrário ao princípio da boa-fé, o exercício do direito à resolução do contrato de venda de bem de consumo, nos termos do artigo 4.º n.º 1 “in fine” do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8/4, fundado na circunstância de que a vendedora não cumpriu a obrigação de entrega em conformidade com o contratado, por alegadamente não se encontrar colocado no seu devido lugar um parafuso que fixava o volante à coluna de direção do veículo, o qual teria certamente um valor insignificante relativamente ao da venda, o que torna ilegítimo o exercício dessa faculdade legal, por haver manifesto abuso de direito (artigo 334.º do CC e artigo 4.º n.º 5 “in fine” do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8/4). Nos termos do artigo 12.º n.º 1 da Lei do Defesa do Consumidor (aprovada Lei n.º 24/96 de 31/7), o consumidor tem direito à indemnização dos danos patrimoniais e não patrimoniais resultantes do fornecimento de bens ou prestações de serviços defeituosos. Perante a ausência de prova sobre as condições em que o veículo foi entregue à Autora, nomeadamente no que se refere à falta do parafuso que assegurava a fixação do volante à colona de direção, deve recorrer-se às presunções legais estabelecidas no artigo 3.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8 de abril, nos termos do qual as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois anos a contar da data de entrega da coisa móvel corpórea presumem-se já existentes a essa data. Estando em causa o incumprimento da obrigação de entrega da coisa pelo vendedor em conformidade com o contratado, de acordo com as legítimas expectativas do consumidor, tal como o artigo 2.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 87/2003 de 8/4 estabelece, o comprador beneficia ainda da presunção legal de culpa estabelecida no artigo 799.º do CC, por estar em causa uma situação configurável como de responsabilidade contratual. No caso, a Autora teve um acidente com o veículo que adquiriu 1 ano antes no concessionário, mas esse acidente ficou a dever-se à perda de controlo por parte da sua condutora, que invadiu a faixa de rodagem contrária e foi embater contra uma árvore, sem que se tenha provado que a falta do parafuso no volante tenha contribuído efetivamente para o sinistro. No entanto, a falta do parafuso veio a concorrer para o agravamento de algumas lesões físicas sofridas pela Autora, que bem poderiam ter sido minoradas se o parafuso tivesse no seu devido lugar, não permitindo que o volante se tivesse soltado após o embate e o airbag tivesse disparado de forma descentrada relativamente à posição de condução da Autora, o que facilitou o embate da cabeça da condutora no vidro dianteiro do veículo e as lesões corporais na parte superior à cintura. Havendo processos causais concorrentes para a verificação de determinado dano, eles não se excluem mutuamente, simplesmente implicam que se deva determinar qual o contributo objetivo de cada um deles para a consumação do dano. O nexo de causalidade, para além de um pressuposto da responsabilidade civil, serve também, funcionalmente, de medida da obrigação de indemnização, devendo aqui serem encontrados critérios para a fixação do “quantum” indemnizatório. O mesmo se devendo dizer relativamente à culpa, nomeadamente quando há concorrência da responsabilidade do lesado para a consumação dos danos, tendo em atenção o disposto no artigo 570.º n.º 1 do CC. No caso dos autos, a Autora foi a responsável principal pela ocorrência do acidente, representando o defeito, relativo à ausência do parafuso do volante, apenas um contributo, relativamente menos significativo, para o agravamento de alguns dos danos verificados, mas que obriga a vendedora do veículo a responder por eles na medida em que também sejam consequência do facto de não se encontrar no seu lugar de alojamento o parafuso de fixação do volante à coluna de direção. Por força do artigo 12.º n.º 2 da Lei de Defesa do Consumidor, o produtor é responsável, independentemente de culpa, pelos danos causados por defeitos de produtos que coloque no mercado, nos termos da lei, remetendo-se assim para o que igualmente é disposto nesse sentido pelo Decreto-Lei n.º 383/89 de 6/11, que transpôs para o direito interno a Diretiva 85/374/CEE, do Conselho de 25 de julho de 1985, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados membros em matéria da responsabilidade decorrente de produtos defeituosos. A responsabilidade objetiva do produtor é extensiva ao “produtor aparente”, que inclui aquele que na União Europeia e no exercício da sua atividade comercial, importe produtos para venda, aluguer, locação financeira ou outra qualquer forma de distribuição (artigo 2.º n.º 2 al. a) do Decreto-Lei n.º 383/89 de 6/11). O risco tutelado na responsabilidade objetiva do produtor é o relativo à colocação em circulação de produto com defeito, não lhe sendo aplicáveis as presunções de desconformidade previstas para o vendedor no artigo 3.º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 67/2003 de 8/4. No entanto, quanto ao mesmo, prevalece o princípio geral da responsabilidade do produtor pelos danos causados por defeitos dos produtos que põe em circulação (artigo 1.º), que só será excluída quando o produtor fizer prova dos factos que, nos termos da lei (v.g. artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 383/89 de 11/6), determinem a exclusão dessa sua responsabilidade. Provando-se que o veículo foi posto em circulação e não tinha colocado no seu lugar o parafuso que assegurava a fixação do volante à coluna da direção no momento do acidente, sem que o produtor lograsse demonstrar que, tendo em conta as circunstâncias, se poderia razoavelmente admitir a inexistência do defeito no momento da entrada do produto em circulação (v.g. artigo 5.º al. b) do Decreto-Lei n.º 383/89 de 11/4), o importador e distribuidor desse veículo respondem solidariamente pelos prejuízos decorrentes do defeito verificado (artigo 6.º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 383/89 de 6/11)».