(Relator: José Capacete) O Tribunal da Relação de Lisboa veio considerar que «o conceito de retrato a que alude o artigo 79.º do CC, abrangendo, entre outras, a forma de fotografia, é composto por dois elementos: a representação ou reprodução visual ou visível da imagem humana; e a recognoscibilidade, isto é, a reprodução ou representação visual da configuração exterior atual ou passada de uma pessoa, que permita a sua identificação ou reconhecimento, tratando-se, por isso, enquanto conceito integrante do direito à imagem, de um bem de personalidade fortemente objetivado. O direito à imagem constitui um direito de personalidade, absoluto, como os demais direitos de personalidade, pois que não se lhe contrapõe um dever jurídico de pessoas determinadas mas antes uma obrigação universal, com uma dupla componente, positiva e negativa, podendo ser definido: na sua componente positiva, trata-se do direito que confere às pessoas a faculdade exclusiva de reprodução, difusão ou publicação da sua própria imagem, com caráter comercial ou não; e, na sua componente negativa, trata-se do direito que cada pessoa tem de impedir que um terceiro possa praticar esses mesmos atos sem a sua autorização. A exigência do consentimento justifica-se para proteger a privacidade e a intimidade, assim como o bom nome e a reputação da pessoa, ao mesmo tempo que se pretende limitar a exploração comercial e lucrativa da imagem alheia, devendo as receitas resultantes dessa exploração ser auferidas pelo próprio visado. Sob a proteção do artigo 79.º está não apenas a reprodução do retrato como também a fixação, representação ou reprodução da imagem, assim como qualquer forma de divulgação da mesma, devendo considerar-se retrato, logo sujeita ao consentimento do titular, ou, no caso de pré-falecimento deste, das pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, toda a representação ou fixação da imagem, isto é, a atribuição de suporte, independentemente da técnica utilizada, entendendo-se por exposição do retrato a sua apresentação a um universo de pessoas. Por “lançamento no comércio” do retrato deve entender-se o seu aproveitamento económico, cabendo ao retratado, ou, sendo o caso, às pessoas designadas no n.º 2 do artigo 71.º, os termos em que deve ser economicamente aproveitada a sua imagem. Para efeitos de dispensa do consentimento, nos termos do n.º 2 do artigo 79.º, em função da notoriedade do retratado, considera-se notória a pessoa que é conhecida pelos indivíduos de um determinado ambiente, pela sua profissão ou cargo desempenhado, seja de âmbito universal, nacional, regional ou local. O titular, a pessoa retratada, ou os seus sucessores têm, no entanto, o exclusivo de aproveitamento económico da sua imagem, independentemente da sua notoriedade, inexistindo causa justificativa de dispensa do seu consentimento para o aproveitamento económico da sua imagem pela simples razão de ser uma pessoa com notoriedade. No entanto, o n.º 2 do artigo 79.º estipula ainda que o consentimento é dispensado quando assim o justifiquem, além de outras, “exigências culturais”, nas quais se incluem as finalidades artísticas. Enquanto que a notoriedade da pessoa retratada e o próprio enquadramento do retrato constituem circunstâncias objetivas de dispensa do consentimento, a “exigência cultural” constitui uma circunstância finalista de tal dispensa, sendo possível conceber-se que a mesma utilização de um retrato prossiga finalidades culturais e artísticas e, simultaneamente, configure uma situação de aproveitamento económico desse mesmo retrato. A publicação e colocação para venda ao público, pela editora 2.ª requerida, de um livro composto essencialmente por fotografias da autoria da 1.ª requerida, também autora do livro, nas quais António Variações aparece retratado nas mais variadas poses, configurando um ato cultural, prossegue também finalidades artísticas, não podendo, no entanto, simultaneamente, deixar de configurar uma situação de aproveitamento económico dos diferentes retratos. É que a publicação do livro em causa, prosseguindo finalidades culturais e artísticas, sendo posto em venda no mercado pelo preço de € 35,00, não pode deixar de representar também um aproveitamento económico dos retratos de António Variações, os quais constituem, por assim dizer, a “alma” do livro, aquilo que “chama” o público a comprá-lo, aquilo que, à partida, nomeadamente para a editora, asseguraria um determinado número de venda e exemplares. Deve, por isso, atender-se às finalidades prevalecentes, só havendo dispensa de consentimento do retratado, ou dos seus sucessores, para o aproveitamento económico de um retrato quando as finalidades culturais sejam manifestamente predominantes, surgindo o aproveitamento económico como um corolário inerente à sua prossecução: é o que sucede no caso concreto. Não obstante algumas das fotografias publicadas no livro retratarem o peito, o abdómen, as pernas, as nádegas e exibirem o contorno do sexo de António Variações, mas sem o exibirem ou ultrapassarem os limites do nu integral, daí não decorre prejuízo para a sua honra, reputação ou simples decoro, nos termos e para os efeitos do n.º 3 do artigo 79.º, pois elas correspondem à imagem pública dele enquanto vivo, constituindo um tributo ao artista e ao homem que ele foi em vida, com um estilo peculiar e uma ideia de liberdade muito próprios».

Consulte, aqui, o texto da decisão.