(Relator: José Amaral) O Tribunal da Relação de Guimarães veio considerar que, «no domínio processual civil (ação de indemnização por danos resultantes de acidente rodoviário), a possibilidade de, ao abrigo do nº 3, do artigo 480º, CPC, no âmbito de perícia médico-legal, as partes assistirem à inspeção (de coisa ou de pessoa) e de se fazerem acompanhar por assessor técnico, nos termos previstos no artigo 50º, constitui emanação dos princípios do contraditório e da audiência contraditória: não são admitidas nem produzidas provas sem que àquela a quem hajam de ser opostas seja garantida pronúncia sobre as provas pré-constituídas e a intervenção nos atos de preparação e de produção das provas constituendas – artigos 3º e 415º. Para efeitos da ressalva prevista na parte final daquela norma, o conceito de pudor, posto que não plasmado na lei, desaparecida a formulação que criminalmente o ligava à moralidade sexual e uma vez recentrada a necessidade de proteção jurídica na intimidade pessoal integrante da reserva da vida privada, deve refletir a normatividade ínsita aos artigos 26º, nº 1, da CRP, e 80º, do Código Civil. Susceptíveis, assim, de violarem aquela intimidade, por desencadearem atitude de resistência, constrangimento, embaraço, vergonha, mal-estar ou receio, serão os atos que impliquem a exposição ou a observação de certas zonas do corpo humano, a expressão de sensações ou sentimentos do foro subjetivo e a revelação do estado mental e psíquico da pessoa, normalmente contidos pela discrição e preservados do conhecimento de estranhos. Na aplicação concreta de tal conceito (relativo à pessoa, ao tempo e às circunstâncias), são de ponderar e de considerar, casuisticamente, fatores diversos, como a personalidade e modo-de-ser individuais, o ambiente social em que ela se insere e os costumes por si vivenciados, bem como a sua sensibilidade e os padrões de moralidade, designadamente sexual, por que se norteia, o nível do recato, decência e modéstia por que se pauta e, consequentemente, a extensão e densidade consequentes do reduto dentro do qual cultiva e preserva a sua intimidade pessoal. Alegando a examinanda (autora) sequelas psíquicas derivadas das lesões sofridos em atropelamento e dos tratamentos a que foi sujeita e sua carência de tratamento e de acompanhamento psiquiátrico, queixando-se, no exame pericial de avaliação do dano, de síndrome depressivo diagnosticado e tratado há oito anos em termos sugestivos de recidiva, que levaram o perito a requisitar perícia de psiquiatria forense para completar o seu relatório, não parece, conjugados os dados pessoais conhecidos, as circunstâncias relativas ao evento, às lesões e aos tratamentos, à luz da pretensão indemnizatória formulada e do prognóstico (baseado na conjugação desses dados com as regras da experiência judicial) sobre a natureza, âmbito e extensão da inspeção e averiguações de que aquele irá necessitar, ser susceptível de ofender o seu pudor a requerida assistência da ré seguradora e seu assessor técnico, a ponto de tal impedir e de, assim, limitar o direito desta ao contraditório».