(Relator: António Teles Pereira) O Tribunal Constitucional decidiu não declarar a inconstitucionalidade das normas constantes dos artigos 10.º, nº1, 2, 3, alíneas a), sub-alíneas i) e ii), e b), n.º 4, alíneas a) e b), e n.º 5, 11.º, n.º 1, alínea a), e 17.º, nº1, 2, 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 54/2016, de 25 de agosto; não declarar a inconstitucionalidade da Portaria n.º 335/2017, de 6 de novembro, do Governo, pelos Ministros do Ambiente e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural, e do Despacho n.º 9728/2017, de 8 de novembro, dos Ministros do Ambiente e da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural; e não declarar a ilegalidade das normas constantes dos artigos 10.º, nº1, 2, 3, alíneas a), sub-alínea i), e b), n.º 4, alíneas a) e b), e n.º 5, e 17.º, nº 1, 2, 3 e 4, do Decreto-Lei n.º 54/2016, de 25 de agosto.

«A “indemnização” por danos causados pelo lobo ibérico encontra-se especificamente regulada no Capítulo III do referido diploma. O artigo 8.º, n.º 1, começa por reafirmar a regra de que, “[q]uando ocorram danos em animais causados diretamente pela ação do lobo-ibérico, os mesmos são passíveis de indemnização ao respetivo produtor, mediante participação ao ICNF, I.P., nos termos do disposto nos números seguintes”. Enquanto o n.º 2 enuncia os animais relevantes para efeitos de “indemnização” (animais bovinos, caprinos, ovinos, equinos, asininos e seus cruzamentos e ainda cães de proteção de rebanho e cães de condução de rebanho), o n.º 3 regula a forma como se processa a concessão de “indemnização” nos casos de desaparecimento de animal na sequência de um ataque do lobo-ibérico. Por sua vez, o artigo 9.º regula a forma como se processa a verificação dos danos em animais, prevendo no seu n.º 1 que cabe ao ICNF, I. P. proceder a uma vistoria ao local da ocorrência e aos animais afetados e elaborar um relatório da mesma. Por sua vez, o artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 54/2016 estabelece os pressupostos materiais que terão de se verificar para que a “indemnização” possa ser concedida. Como vimos, prescreve que, após ser comprovado que os danos participados foram diretamente causados pelo lobo, a “indemnização” só tem lugar se : “[…] a) Os animais objeto de dano estavam: i) Guardados por pastor e cão de proteção de rebanho da propriedade do produtor, em número a definir por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da conservação da natureza e da agricultura; ou ii) Confinados em locais com estruturas adequadas à defesa dos animais contra eventuais ataques de lobo; b) Os cães de proteção de rebanho e cães de condução de rebanho, objeto de dano, estavam no exercício destas funções” (artigo 10.º, n.º 3). Por outro lado, este artigo determina ainda diversas limitações no que se refere ao cálculo do montante da “indemnização”: (i) em primeiro lugar, um limite máximo absoluto, ao prever que “[…] as indemnizações por danos causados pelo lobo-ibérico, em acumulação com outros auxílios de estado, não podem exceder (euro) 15 000,00 ao longo de um período de três anos” (artigo 10.º, n.º 1); (ii) em segundo lugar, um limite máximo por animal, ao prever que as despesas decorrentes de ferimentos em animais apenas são ressarcidas até ao valor de 80 % da despesa realizada (artigo 10.º, n.º 5); (iii) em terceiro lugar, uma redução progressiva da “indemnização” no que respeita a animais mortos ou que tenham de ser abatidos na sequência de um ataque, sendo esse valor fixado em portaria ou despacho, consoante o caso (artigo 10.º, n.º 4). O n.º 2 do mesmo artigo determina ainda que os montantes e limites máximos das “indemnizações” são definidos em despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da conservação da natureza e da agricultura. Esses valores encontram-se atualmente regulados no Despacho n.º 9728/2017, de 31 de outubro. O artigo 11.º regula os casos em que tem lugar a exclusão e a suspensão da “indemnização”. O n.º 1 começa por determinar que não há lugar a “indemnização” quando: (i) os animais objeto do dano tiverem idade inferior a um mês; (ii) o corpo ou as partes do animal objeto de dano ou quaisquer outros vestígios dessa mesma ocorrência tiverem sido removidos antes da vistoria respetiva, a menos que tenha sido concedida autorização para o efeito pela autoridade competente; (iii) as obrigações legais, em matéria de registo animal, não se mostrarem cumpridas em relação aos animais em causa; ou (iv) o lesado impedir culposamente o agendamento ou na realização da vistoria respetiva. Por seu turno, o n.º 2 do artigo 11.º acrescenta ainda que não há, igualmente, lugar a “indemnização” quando: (i) o lesado tenha sido condenado pela prática de um dos crimes ou de uma das contraordenações muito graves previstas neste diploma, tendo a condenação transitado em julgado nos cinco anos anteriores ao pedido de “indemnização”; ou (ii) o lesado tenha sido condenado pela prática de uma das contraordenações graves previstas neste diploma, tendo a condenação transitado em julgado nos três anos anteriores ao pedido de “indemnização” […]. Admite-se que as medidas decretadas pelo Estado para benefício comum podem ter como consequência (consequência que, como vimos, não decorre de conexão rigorosamente causal) o aumento do risco de ataques de lobos. Se este efeito pode limitar o princípio da autorresponsabilidade, certamente não o afasta na sua plenitude: continua a caber em primeira linha aos produtores pecuários a responsabilidade de protegerem os seus bens. Apenas na medida em que os produtores tenham tomado as precauções razoavelmente ao seu dispor recai sobre o Estado a obrigação de os compensar pelos danos causados pelos lobos. Importa, além do mais, prevenir o risco de os produtores não terem incentivo suficiente para protegerem devidamente os seus bens, configurando uma indesejável situação de risco moral. Tal objetivo é, aliás, assumido expressamente no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 54/2016: “[c]om base na experiência adquirida e com o objetivo de potenciar a compatibilização da prática do pastoreio com a presença do lobo, o presente decreto-lei fixa as espécies animais passíveis de indemnização, em caso de danos provocados pelo lobo-ibérico, e estabelece os requisitos exigidos para que seja reconhecido o direito a essa indemnização, com vista a fomentar uma proteção eficaz dos efetivos pecuários”. É por demais evidente que o risco de os produtores não protegerem eficazmente os seus efetivos pecuários seria potenciado se a “indemnização” fosse assegurada em qualquer caso […] A redução progressiva da “indemnização” tem em vista estimular os produtores a protegerem o mais eficazmente possível os seus bens».

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