(Relator: José Alberto Moreira Dias) O Tribunal da Relação de Guimarães veio considerar que «as normas do Código da Estrada (CE) que regulam a manobra de mudança de direção e que, dada a perigosidade intrínseca dessa manobra, impõem obrigações acrescidas aos condutores que a ela recorram, destinam-se à proteção do tráfego que circula na mesma via, mas em sentido oposto à do condutor que efetua a manobra de mudança de direção e, bem assim, à proteção do tráfego que circula na mesma via e no mesmo sentido de marcha, mas atrás do veículo cujo condutor empreende a manobra de mudança de direção. Já as normas previstas no CE que proíbem manobras de ultrapassagem em determinados locais, como é o caso de zona imediatamente antes e nos cruzamentos e entroncamentos, destinam-se a proteger todos os utentes da via, em que o legislador proibiu a manobra de ultrapassagem nesses locais, por essa manobra, quando realizada nesses locais, ser normalmente propiciadora de risco acrescido de acidente, pelo que essa proibição destina-se a proteger tanto os utentes que circulam na mesma via e no mesmo sentido de marcha que o veículo ultrapassante, atrás ou à frente deste, como os que circulam, nessa mesma via, mas em sentido oposto ao do veículo ultrapassante, como os veículos que, no entroncamento ou cruzamento, ingressem na via por onde circula o veículo ultrapassante, como os veículos que, circulando na mesma via e no mesmo sentido de marcha que o veículo ultrapassante, no cruzamento ou entroncamento, encetem uma manobra de mudança de direção. 4- Daí que, sempre que um condutor realize uma manobra de ultrapassagem em local em que esta lhe é legalmente proibida e venha a colidir com um dos veículos identificados, concretiza o perigo que o legislador quis evitar com a proibição. Nos casos em que ocorra uma colisão no decurso de uma manobra de ultrapassagem realizada por um dos veículos e de uma manobra de mudança de direção realizada pelo outro, quando ambos os veículos circulam na mesma via e no mesmo sentido de marcha, a aferição da responsabilidade pelo eclodir do acidente deve, em princípio, ser feita de acordo com a teoria do critério temporal, em função do qual a culpa será do condutor que começou a manobra depois de já ter sido encetada a manobra do outro. No entanto, quando a manobra de ultrapassagem seja realizada em local em que o legislador proibiu essa manobra, tendo em consideração a ratio que subjaz a essa proibição referida, porque o condutor ao efetuar a manobra de ultrapassagem em local em que tal lhe é legalmente proibido, em caso de vir a colidir, durante a manobra de ultrapassagem, com veículo que circule nesse local, designadamente, que nele realize uma manobra da mudança de direção à esquerda, o condutor ultrapassante acaba por concretizar o risco de acidente que o legislador quis evitar com a proibição, pelo que o acidente não pode deixar de lhe ser imputado a título de culpa presumida, uma vez que não fora o seu comportamento contraordenacional e, por isso, ilícito e presuntivamente culposo, a colisão nunca se teria dado. Verificado um acidente nessas circunstâncias, perante a presunção de culpa pelo eclodir do acidente que recai sobre o condutor do veículo ultrapassante, é sobre este ou o proprietário do veículo por ele conduzido (consoante seja um ou outro que figurem como demandante ou demandado em ação destinada a efetivar a responsabilidade civil emergente desse acidente) que recai o ónus de alegação e da prova de facticidade de onda decorra que o acidente se deveu também à culpa, ou à principal culpa, do condutor que realizou a manobra de mudança de direção no local em que o mesmo efetuou a manobra de ultrapassagem a esse veículo, apesar de essa manobra de ultrapassagem lhe ser proibida por lei. Em ação de acidente de viação em que se provou que a condutora do veículo da Autora encetou uma manobra de ultrapassagem em zona imediatamente anterior a um entroncamento e foi embater no veículo seguro pela Ré, quando este, nesse entroncamento, se encontrava em plena execução de uma manobra de mudança de direção para a esquerda, sendo a realização dessa manobra de ultrapassagem legalmente proibida nesse concreto local, não tendo a Autora provado que antes do condutor do veículo seguro ter sinalizado a manobra de mudança de direção para a esquerda, já a condutora do veículo sua propriedade tinha sinalizado a manobra de ultrapassagem, ou já se encontrava em plena execução dessa manobra, nem qualquer facticidade de onde decorra que o acidente é também de imputar à condução contraordenacional do condutor do veículo seguro, impõe-se concluir que o acidente é de imputar, única e exclusivamente, à condução contraordenacional e, por isso, ilícita e presuntivamente culposa da condutora do veículo propriedade da Autora, que ao executar a manobra de ultrapassagem em local em que lhe era legalmente proibido, acabou por concretizar o risco de acidente que o legislador quis evitar com a proibição».

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