(Relatora: Micaela Sousa) O Tribunal da Relação de Lisboa veio considerar que, «sendo o acidente, simultaneamente, de viação e de trabalho, as respetivas indemnizações não são cumuláveis, mas complementares, revestindo a responsabilidade infortunística laboral carácter subsidiário, por a responsabilidade primeira ser aquela que recai sobre o responsável civil; no entanto, não pode haver duplo ressarcimento quanto ao mesmo dano concreto. As indemnizações fixadas em cada uma das jurisdições (civil e laboral) não se sobrepõem, completam-se. As indemnizações são independentes e o Tribunal em que o pedido de indemnização for deduzido exerce a sua jurisdição em plenitude, decidindo e apurando, sem limitações, a extensão dos danos. O responsável pelo acidente de viação (ou o seu segurador) não pode pretender a dedução na indemnização a que for condenado, do valor da indemnização que o trabalhador/sinistrado porventura já tenha recebido por força da reparação do acidente de trabalho. Estando a reparação pelo dano especificamente laboral definida no processo emergente de acidente de trabalho, resta fixar, na instância cível, a vertente do dano biológico que afeta a vida extralaboral do lesado. Constitui entendimento consolidado a nível do Supremo Tribunal de Justiça que a lesão corporal sofrida em consequência de um acidente de viação constitui um dano real ou dano-evento, que tem vindo a ser designado por dano biológico, que afeta a integridade físico-psíquica do lesado, traduzindo-se em ofensa do seu bem saúde, de que decorrem, além de incidências negativas não suscetíveis de avaliação pecuniária, a perda ou diminuição da capacidade para o exercício de atividades económicas, como tal suscetíveis de avaliação pecuniária, entre elas a maior penosidade e esforço no exercício da atividade diária corrente e profissional e o condicionamento a que fica sujeito para efeitos de valorização da sua posição no contexto laboral. Numa situação em que a vítima, tendo já obtido reparação por perda de capacidade de ganho em sede laboral, tinha 43 anos à data do acidente, suportou um longo período de convalescença, tendo 49 anos à data da consolidação médico-legal das lesões, ficando com um défice funcional permanente na integridade físico-psíquica de 34 pontos, não tendo retomado a vida profissional e tendo sido reformada (em 2020), suportando limitações para os atos da vida diária, familiar e social, ficando a padecer de depressão e carecendo permanentemente de medicamentos, tratamentos, consultas e auxílio de colar cervical, tem-se por adequada e equilibrada uma indemnização por dano biológico no valor de 125.000,00 euros. É adequada, equilibrada e proporcional a importância de 140.000,00€ para compensar os danos não patrimoniais sofridos pela lesada, pessoa alegre, saudável e ativa, com 43 anos de idade, que auferia um rendimento anual de 30.699,06€ como funcionária em instituição bancária e que em consequência do atropelamento de que foi vítima, sem qualquer culpa sua, sofreu múltiplas lesões, entre elas traumatismo craniano e da coluna cervical e posterior perturbação depressiva reativa, foi sujeita a duas intervenções cirúrgicas, tratamentos, exames, consultas, com um longo período de convalescença, um quantum doloris de grau 6, repercussão permanente na atividade sexual fixada no grau 4 numa escala de 7 graus, com necessidade futura permanente de medicação, tratamentos e ajuda de tecnologia para superar as limitações anátomo-funcionais».

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