(Relator: Mendes Coelho) O Tribunal da Relação do Porto veio considerar que «o “dever especial de vigilância” previsto no artigo 11º do DL nº315/2009 de 29 de outubro, relativo à detenção de animais perigosos e potencialmente perigosos enquanto animais de companhia (“O detentor de animal perigoso ou potencialmente perigoso fica obrigado ao dever especial de o vigiar, de forma a evitar que este ponha em risco a vida ou a integridade física de outras pessoas e de outros animais”), não tem conteúdo e alcance diferente do previsto no nº1 do artigo 493º Código Civil, pois este refere-se a “quaisquer animais” e integra-se num preceito que é já relativo às atividades perigosas em geral. Concluindo-se não ser imputável ao vigilante do cão qualquer imprevidência, inconsideração ou negligência na sua guarda e vigilância e que a interação do lesado com o cão apenas teve lugar porque aquele, por sua iniciativa, desobedecendo aos avisos que lhe foram feitos, saiu sozinho para o jardim por uma das portas deliberadamente fechada para impedir o acesso a tal espaço, foi ter com o cão e foi com ele estabelecer contacto físico, é de concluir pelo afastamento da presunção de culpa do artigo 493º nº1 do Código Civil. Cabe na previsão do artigo 502º do Código Civil a utilização do cão como animal de companhia e/ou de guarda. A responsabilidade objetiva não prescinde da consideração de que o dano se inscreva, senão exclusivamente, pelo menos em larga medida, no círculo de atividade geradora do risco, não se prescindindo, pois, do nexo de causalidade entre o resultado danoso e a sua causa reportada à atividade que implica o risco. Provando-se que o lesado saiu para o jardim onde o cão tinha entretanto sido solto pelo seu vigilante quando tinha sido antes avisado por este e ainda por outra pessoa de que o não deveria fazer, que o fez quando tinham sido fechadas as portas de acesso ao exterior da casa exatamente para evitar que algum dos presentes saísse enquanto o cão estivesse naquele espaço, que o fez sem que ninguém tenha dado conta e sem que mais nenhum dos presentes tivesse também saído, que, além de sair, foi ter com o cão, e que além de ir ter com o cão estabeleceu com ele contacto físico (colocou-lhe as mãos na parte posterior da cabeça) e aproximou o seu rosto ao focinho daquele – do que decorre que houve por parte daquele, de forma voluntária e consciente, uma autêntica invasão do espaço e até da “esfera privada” do cão – e que nessas circunstâncias é que ocorreu a reação deste em morder-lhe, é de concluir que foi exclusivamente um comportamento culposo do lesado que esteve na origem do dano que o animal lhe veio a causar e, como tal, que não há lugar à responsabilização dos donos do cão por via da previsão do artigo 502º do Código Civil».