(Relatora: Maria da Graça Trigo) O Supremo Tribunal de Justiça veio considerar que, «numa prestação de serviços médicos por hospital privado, com escolha de médico-cirurgião pela autora, existe um vínculo obrigacional tanto entre o hospital e a autora como entre o médico e a autora. Ocorrendo, durante uma cirurgia ortopédica com anestesia por epidural, uma lesão medular de que resultou paralisia em membro inferior e outras sequelas, ocorre uma situação de cumprimento defeituoso das obrigações contratuais, e, simultaneamente, a violação de um direito absoluto, a integridade física da autora. Verifica-se concurso de responsabilidade civil contratual e extracontratual, aplicando-se o regime daquela por ser mais conforme ao princípio geral da autonomia privada e por ser, em regra, mais favorável ao lesado. O juízo de causalidade é tanto um juízo de facto como de direito. Não cabe a este Supremo Tribunal sindicar o juízo de facto feito pela Relação, mas apenas pronunciar-se acerca do respeito pelo critério normativo da causalidade. Relativamente à responsabilidade civil do hospital, os pressupostos aferem-se a partir da conduta dos auxiliares de cumprimento, dependentes ou independentes, da obrigação de prestação de serviços médicos, que são todos os agentes envolvidos (cirurgião, anestesista, enfermeiros e outros). A conduta dos auxiliares imputa-se ao devedor hospital “como se tais atos tivessem sido praticados pelo próprio devedor” (artigo 800º, nº 1, do CC). Quanto à responsabilidade civil do médico-cirurgião, os pressupostos aferem-se pela sua conduta pessoal, assim como pela conduta daqueles que sejam auxiliares de cumprimento, dependentes ou independentes, da sua prestação, i.e. enfermeiros e outro pessoal auxiliar da equipa cirúrgica, por aplicação do artigo 800º, nº 1, do CC. É do conhecimento geral que, do ponto de vista científico e técnico, o médico anestesista não está subordinado ao cirurgião. Contudo, não seria de excluir, em absoluto, a possibilidade de responsabilizar o cirurgião pela conduta da anestesista se se apurasse que esta última era, em concreto, uma auxiliar, ainda que independente, de cumprimento das obrigações de que aquele é devedor. Não tendo tal prova sido feita, o médico-cirurgião não é responsável pela conduta da anestesista. Provando-se que a violação da integridade física ocorreu durante e por causa da execução do contrato é de convocar a doutrina dos deveres acessórios de proteção que têm “uma função auxiliar da realização positiva do fim contratual e de proteção à pessoa ou aos bens da outra parte contra os riscos de danos concomitantes”, resultantes da sua “conexão com o contrato”. Provada a ilicitude pelo desrespeito do dever de proteção da integridade física da autora, ocorrida durante a execução do contrato, deve aplicar-se o regime globalmente definido para a responsabilidade contratual e, nos termos do artigo 799º, nº 1, do CC, presume-se a culpa do devedor».