(Relatora: Amélia Sofia Rebelo) O Tribunal da Relação de Lisboa veio considerar que «a diminuição patrimonial especificamente prevista pelo fundamento de qualificação da insolvência previsto pela al. a) do nº 2 do artigo 186º do CIRE distingue-se da diminuição patrimonial implícita à previsão da al. d) da mesma norma porque, diversamente do que aqui sucede, aquela pressupõe ou reporta a uma ação física sobre os bens, no sentido de diminuir o seu valor comercial (destruído ou danificado), de os tornar imprestáveis ou inoperacionais para o fim a que tendem (inutilizado), ou, através da não revelação do seu paradeiro ou da sua colocação em paradeiro desconhecido ou local geográfica ou espacialmente inacessível à sua apreensão, de os subtrair à possibilidade de serem localizados e/ou fisicamente apreendidos para ingressarem na disponibilidade fáctica do AI, do processo de insolvência e da liquidação que nele se cumpra (ocultado ou feito desaparecer). A venda da totalidade dos bens do devedor em situação de insolvência (atual ou iminente) consubstancia ato prejudicial ao património da devedora e ao coletivo dos seus credores, independentemente do preço atribuído aos bens e de este ter sido ou não pago à vendedora, porque dela resulta diminuição do ativo da devedora e consequente diminuição do valor da massa insolvente e agravamento da possibilidade de satisfação do coletivo dos credores da insolvência na medida do valor daqueles bens que, por efeito da venda, deixaram de existir na esfera patrimonial da insolvente. A suspensão do dever de apresentação à insolvência prevista pelo artigo 7º, nº 6, al. a) da Lei n.º 1-A/2020 de 19.03, introduzido pela Lei nº 4-A/2020 com efeitos retroativos a 09.03.2020, não significa proibição de apresentação nem se traduz na concessão de ‘carta branca’ aos devedores insolventes para liquidação ad hoc dos seus bens e, por outro lado, pressupõe a viabilidade e o propósito de dar oportuna continuidade à empresa, propósito que é contrariado pela venda do imobilizado afeto e necessário à exploração do respetivo objeto social. A par com a vertente preventiva de proteção do património de terceiros e do comércio, as medidas inibitórias previstas pelas als. b) e c) do nº 2 do artigo 189º do CIRE têm dimensão punitiva pelo que, por natureza e imperativo constitucional, a determinação, em cada caso, do ‘quantum punitivo’, “deverá ser feita em função do grau de ilicitude e culpa manifestado nos factos determinantes dessa qualificação legal”. A responsabilização civil dos afetados pela qualificação exige a verificação dos pressupostos gerais do instituto da responsabilidade civil previstos pelo artigo 483º do Código Civil – sempre que os danos sofridos em concreto pelo lesado constituam consequência adequada de um facto voluntário, ilícito e subjetivamente imputável ao lesante a título de culpa, residindo a causa da deslocação do dano da esfera jurídica do prejudicado para o lesante justamente num juízo de censurabilidade que, para além da natureza essencialmente reparadora, atribui natureza sancionatória ao instituto da responsabilidade civil por factos ilícitos. A qualificação da insolvência como culposa pressupõe sempre a causalidade (provada ou presumida) entre a conduta e a criação ou o agravamento da insolvência, sendo esta a “causalidade fundamentadora” da responsabilidade civil; a responsabilização civil dos sujeitos afetados pressupõe a verificação da causalidade entre a conduta e os danos, sendo esta a “causalidade preenchedora” da responsabilidade civil. Concedendo que a afetação pela qualificação da insolvência contém em si mesma a demonstração e verificação da ilicitude do facto fundamento da qualificação, bem como do juízo de censurabilidade que pelo mesmo é passível de ser dirigido ao afetado, no caso o nexo de causalidade entre o ato de disposição de bens que fundamentou a qualificação da insolvência como culposa e o prejuízo sofrido pelos credores da insolvência resulta verificado na medida dos créditos que no âmbito da insolvência seriam pagos pelo valor daqueles bens».

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