(Relator: Pedro Branquinho Dias) O Supremo Tribunal de Justiça considerou, tendo em conta a «situação retratada nos autos», que «tem a ver com um caso de negligência médica alegadamente por parte de um médico formador, especialista em cirurgia geral e de duas médicas internas estagiárias, no tratamento de uma paciente, na decorrência de uma intervenção cirúrgica, tendo em vista a extração de um lipoma, localizado na região lombar direita», que «estamos (…) no domínio da relação entre um médico formador/ orientador de estágios e duas médicas em formação (médicas internas), sendo uma de formação específica de cirurgia vascular, no 1.º ano de formação de especialidade médica, e a outra interna de dermatologia, tendo iniciado o internato de especialidade de dermatovenereologia cerca de duas semanas antes da cirurgia em causa. Trata-se, como é sublinhado pela doutrina mais abalizada, de uma divisão vertical de trabalho, diferente da que se estabelece no exercício da medicina em equipa, que, por norma, consiste numa divisão horizontal de trabalho, que pressupõe a repartição do tratamento entre profissionais com um nível semelhante de conhecimentos e capacidades, ainda que com qualificações profissionais distintas, que se encontram, por conseguinte, numa posição de igualdade. No caso concreto, os intervenientes não se movem no mesmo plano no que diz respeito a conhecimentos e competências, existindo relações hierárquicas entre eles, que supõem o exercício de poderes de orientação e vigilância e de correlativos deveres de obediência, como é o caso paradigmático da intervenção conjunta de um médico especialista em cirurgia/formador e de duas internas estagiárias. O princípio da confiança, que é muito relevante no exercício da medicina em equipa, ou seja, na divisão horizontal de trabalho, tem, no âmbito da divisão vertical, um valor menos destacado, cedendo a primazia ao dever de controlo das atividades realizadas pelo médico interno por parte do médico orientador, o que, naturalmente, não deixará de ter reflexos em sede da delimitação de responsabilidades. Nesta conformidade, sobre o médico tutor impende um dever de fiscalização permanente da atuação do médico em formação, a que acrescerão ainda deveres de controlo e supervisão. Por sua vez, sobre os médicos em formação incumbe um dever de obediência, que não sendo, obviamente, absoluto constitui, dentro do espaço de autonomia, a regra. Significa tal, em termos práticos, que, se o médico interno atuar de acordo com as instruções e ordens do médico tutor e se dessa atuação resultar uma lesão para o paciente, só o orientador da formação poderá, em princípio, ser responsabilizado por não ter cumprido o seu dever de controlo e intervenção. Só muito excecionalmente haverá a possibilidade de o médico interno também vir a ser responsabilizado (ou até ser exclusivamente responsável), se se provar que violou o dever objetivo de cuidado que sobre ele impendia, dependendo das especificidades do caso concreto».

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