(Relator: Luís Filipe Sousa) O Tribunal da Relação de Lisboa considerou que «a publicação pela Wikipédia de biografia em linha do requerente integra o tratamento conjunto de dados pessoais para efeitos do disposto no Regulamento (EU) 2016/679 (Regulamento Geral de Proteção de Dados). O respeito pela vida privada e familiar (Artigo 7.º da Carta dos Direitos Fundamentais) tem o mesmo sentido e alcance que o sentido e o alcance conferidos ao artigo 8.º, n.º 1, da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. A liberdade de expressão e de informação (Artigo 11.º da Carta dos Direitos Fundamentais) tem o mesmo sentido e alcance que o sentido e o alcance conferidos ao artigo 10.º da CEDH, conforme interpretado pela jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. No que se refere ao requisito da necessidade do tratamento dos dados pessoais para a prossecução de interesses legítimos, as derrogações e as restrições ao princípio da proteção dos dados pessoais devem ocorrer na estrita medida do necessário. O direito à proteção dos dados pessoais não é um direito absoluto, devendo ser considerado em relação à sua função na sociedade e ser equilibrado com outros direitos fundamentais, em conformidade com o princípio da proporcionalidade. Constituem critérios pertinentes para efetuar a ponderação entre o direito ao respeito pela vida privada e o direito à liberdade de expressão: a contribuição para um debate de interesse público, o grau de notoriedade da pessoa afetada, o objeto da reportagem, o comportamento anterior da pessoa em causa, o conteúdo, forma e consequências da publicação, o modo e as circunstâncias em que as informações foram obtidas, bem como a sua veracidade. Há que distinguir entre afirmações de facto e juízos de valor porquanto a materialidade das primeiras pode provar-se e os segundos não se prestam a uma demonstração da sua exatidão. Em relação às imputações de factos, a prova da boa fé deve ser admitida, contanto que a pessoa (v.g. jornalista) tenha tido, ao tempo da publicação, razões suficientes para acreditar na veracidade da informação, razão pela qual não deve ser sancionada. Dado o importante papel desempenhado pela internet em aumentar o acesso do público a notícias e a facilitar a disseminação de informação, a função dos bloggers e dos utilizadores das redes sociais pode também ser assimilada à de “cães de guarda públicos” para efeitos da proteção conferida pelo Artigo 10.º da CEDH. Embora, em geral, os direitos da pessoa em causa protegidos pelos artigos 7.º e 8.º da Carta (vida privada e familiar e proteção de dados pessoais) prevaleçam sobre o interesse legítimo dos internautas potencialmente interessados em aceder à informação em questão, este equilíbrio pode, todavia, depender das circunstâncias pertinentes de cada caso, nomeadamente da natureza dessa informação e da sua sensibilidade para a vida privada da pessoa em causa, bem como do interesse do público em dispor da referida informação, o qual pode variar, designadamente, em função do papel desempenhado por essa pessoa na vida pública. Quando a pessoa em causa desempenha um papel na vida pública, essa pessoa deve demonstrar um grau de tolerância acrescido, dado que está inevitavelmente e com pleno conhecimento de causa exposta ao escrutínio público. Cabe à pessoa que apresenta o pedido de supressão de referências, provar a inexatidão manifesta das informações que figuram no referido conteúdo ou, pelo menos, de uma parte dessas informações que não apresente um carácter menor relativamente à totalidade desse conteúdo. A fim de evitar impor a essa pessoa um ónus excessivo suscetível de prejudicar o efeito útil do direito à supressão de referências, cabe-lhe unicamente fornecer os elementos de prova que, tendo em conta as circunstâncias do caso concreto, lhe possa razoavelmente ser exigido que procure para demonstrar essa inexatidão manifesta. Não se pode impor ao operador do motor de busca uma obrigação de investigar os factos e, para esse efeito, de acionar um debate contraditório com o fornecedor de conteúdos a fim a obter os elementos em falta relativamente à exatidão do conteúdo apresentado. O direito ao esquecimento «pode ser definido como um direito fundamental de personalidade amparado no princípio da dignidade humana, segundo o qual o titular, pessoa individual ou coletiva, tem o direito à autodeterminação informativa, isto é, pode requerer o apagamento, retirada ou bloqueio da divulgação de dados, lícitos ou não, que lhe digam respeito, encontrados nos diversos meios de comunicação e que não tenham mais interesse público, judicial, histórico ou estatístico ou ainda que não sejam vedados por lei. Não se trata, portanto, de eliminar todas as referências a factos ocorridos no passado, mas apenas de evitar a exposição desnecessária e lesiva de acontecimentos desprovidos de interesse público atual. Exprime em suma um poder de autocontrolo dos próprios dados pessoais». Justifica-se o acionamento do direito ao esquecimento do requerente num contexto em que: este terá alegadamente praticado, em 1989, factos que sustentaram posteriormente uma acusação do Ministério Público pela prática de um crime de furto qualificado; não chegou a ocorrer julgamento; nada consta provado nos autos no sentido de que, a terem ocorrido tais factos, os mesmos tenham gerado um alarme social relevante, quer a nível local quer a nível nacional, ou seja, não está demonstrada a existência de um incontroverso interesse público original; a ter ocorrido a prática de tal crime, o procedimento criminal respetivo está prescrito, pelo menos desde 2008; não é divisível um interesse público atual sobre a aferição da ocorrência de tais factos em 1989, tanto mais que as biografias em linha não indicam a prática posterior de factos similares pelo requerente nem está demonstrado que, à data da interposição do procedimento, o requerente alimente a pretensão de exercer novos cargos públicos, v.g. cônsul. Nos termos do n.º 1 do Artigo 17.º do Regulamento n.º 20016/679, o titular tem direito a que sejam apagados os seus dados, invocando um dos motivos enunciados nas alíneas a) a f), não sendo necessário demonstrar que o tratamento gera danos, reais ou potenciais. No enfoque do tratamento de dados pessoais, o Regulamento n.º 2016/679 prevê a existência de dados pessoais especiais que têm um tratamento ainda mais restritivo, sendo proibido o tratamento de dados pessoais que revelem as opiniões políticas (Artigo 9.º, n.º 1). Em decorrência deste regime legal, a Requerida e os Requeridos Incertos não podiam tratar os dados pessoais do requerente indicadores das suas opiniões políticas, em concreto, a proximidade de dirigentes do Partido (…), a ligação a este partido, a doação de quantia a este partido, a participação num comício, bem como o apoio ao ZM. Para efeitos da aferição do requisito do procedimento cautelar comum consistente no periculum in mora, os direitos de personalidade estão naturalmente sujeitos a sofrer lesões dificilmente reparáveis porquanto a lesão destes direitos apenas poderá ser economicamente compensada, nunca reparando integralmente os danos atenta a natureza não patrimonial dos bens objeto deste tipo de direitos».

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